A desjudicialização é uma realidade, especialmente desde a entrada em vigor da lei 11.441/07, que prevê a possibilidade de inventário, divórcio e separações extrajudiciais consensuais nos cartórios extrajudiciais.
A utilização dos meios extrajudiciais é uma forma de ampliar o acesso à justiça, prestigiando-se os meios adequados de solução de conflitos, conforme previsão trazida pelo Código de Processo Civil de 2015.1
Cumpre, contudo, destacar que a genuína implantação da Justiça Multiportas em nosso país precisa estar acompanhada por dois elementos de suma relevância, a saber: (i) observância do devido processo legal extrajudicial e das garantias fundamentais do processo; e (ii) mudança de cultura dos operadores do direito.2
O procedimento extrajudicial tende a ser mais rápido e menos burocrático para as partes, mas algumas formalidades são mantidas, inclusive a representação dos interessados por advogado. Tanto a separação e o divórcio, quanto o inventário extrajudicial independem de homologação judicial e apenas podem ser realizados em havendo a concordância de todos os interessados com relação a todos os termos. Sendo assim, se houver litígio, o único caminho é o judicial.
A legislação vigente veda a realização de separação, divórcio e inventário extrajudicial quando houver incapazes interessados.
Desse modo, a existência de crianças ou adolescentes - salvo se tiverem sido emancipados, conforme artigos 12 e 47 da Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça - impede a realização de inventário, separação, dissolução de união estável ou divórcio pela via extrajudicial, o que faz com que as partes tenham que se sujeitar ao processo judicial.
A Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta separação, divórcio e inventário extrajudiciais, faz previsão no art. 34 e seu parágrafo único de que as partes devem declarar ao escrivão não possuírem filhos comuns ou de que o cônjuge virago não se encontra em estado gravídico, ou ao menos, que não tenha conhecimento sobre esta condição.3
Tal proibição tem como intuito proteger o interesse dos incapazes, pessoas vulneráveis e que demandam um maior cuidado e fiscalização para garantia de seus direitos. Todavia, será que tal proteção poderia ser relativizada na prática, desde que garantidos os direitos por meio da fiscalização pelo Ministério Público?
Diante disso, inicia-se um movimento voltado à paulatina flexibilização desse requisito negativo, conforme a seguir.
Em 2021, na Comarca de Leme, Estado de São Paulo, houve a concessão do primeiro alvará judicial do Brasil para a realização de inventário extrajudicial com interesse de incapazes, nos autos do Processo n. 1002882-02.2021.8.26.0318. No caso concreto, a escritura pública de inventário estava pronta para a assinatura quando um dos herdeiros faleceu de COVID, sendo necessário acrescentar ao ato seus filhos incapazes para representá-lo. O advogado do caso solicitou judicialmente alvará para que o inventário pudesse ser concluído na modalidade extrajudicial, o que foi deferido.
O magistrado, nesse caso, autorizou a realização extrajudicial de inventário, apesar de haver interessados menores de idade, considerando-se que foi proposta a realização de "uma partilha ideal, de acordo com a lei", o que eliminaria os riscos de prejuízos aos interesses dos incapazes.4
No Tribunal de Justiça do Acre, o juiz de Direito Edinaldo Muniz, titular da Vara de Registros Públicos, Órfãos e Sucessões e de Cartas Precatórias Cíveis da Comarca de Rio Branco editou a Portaria 5914-12, onde autoriza que, no âmbito da competência daquela Vara, possam os cartórios extrajudiciais lavrar escrituras públicas de inventário, mesmo havendo herdeiros incapazes. A portaria prevê a formalidade de que a minuta final da escritura seja previamente submetida à aprovação do juízo, que ocorrerá após a manifestação do Ministério Público.5
Na Portaria consta que o requerimento será feito por meio de pedido de providência, provocado por herdeiros interessados e/ou pelo próprio cartório do inventário extrajudicial e que não haverá cobrança de custas judiciais, apenas emolumentos extrajudiciais. Por fim, determina que a versão final da escritura de inventário deve fazer referência à manifestação e aprovação prévia do representante do Ministério Público e do juízo competente.6
Ainda no que tange ao inventário, José Luiz Germano, José Renato Nalini e Thomas Nosch Gonçalves defendem a possibilidade da realização extrajudicial com herdeiros incapazes quando a partilha ocorrer por parte ideal e for igualitária.7
Na hipótese do divórcio extrajudicial, diante da Emenda Constitucional 66/10, que permite o divórcio direto sem qualquer cumprimento de prazos, formalidades ou requisitos, não há razão para proibir a realização do divórcio pela modalidade extrajudicial, remetendo-se ao Poder Judiciário apenas as questões relativas aos filhos, como guarda, alimentos, regime de convivência etc.
A taxa de congestionamento em demandas de direito de família é de 69% segundo o relatório Justiça em Números de 2021.8 Diante de tal quadro, o abrandamento da proibição de separação, divórcio, dissolução de união estável e inventário extrajudiciais diante da existência de incapazes poderia trazer um impacto positivo para o desafogamento do Poder Judiciário.
O Tribunal de Justiça de Goiás editou o Provimento 42/19 com vistas a alterar o Código de Normas daquele Estado para autorizar a separação e o divórcio extrajudiciais em que haja filhos menores, desde que os interessados comprovem ao delegatário do cartório extrajudicial que já ajuizaram ação judicial para deliberar sobre os direitos dos filhos, cabendo ao cartório extrajudicial, por sua vez, comunicar ao juízo competente a lavratura da escritura, no prazo de 5 dias úteis.9
No âmbito da separação e do divórcio, Tomas Nosch Gonçalves propõe alteração da Resolução 35 do CNJ para que sejam permitidos na forma extrajudicial, inclusive com solução das questões relativas à guarda e alimentos, com concordância do Ministério Público.10
Necessário consignar já haver previsão de intervenção do Ministério Público nos casos em que há interesse de incapazes no Provimento 83/19 do CNJ, ao se referir ao procedimento de reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva (inclusão do §9º ao art. 11 do Provimento 63)11, a demonstrar a viabilidade de sua manifestação nos procedimentos extrajudiciais desenvolvidos em cartório.
Constata-se, pois, um salutar aceno, tanto da doutrina quanto dos tribunais, no sentido de admitir a adoção da via extrajudicial para a realização de separações, divórcios e inventários em situações em que há interesse de incapazes. No entanto, considera-se que o ideal seria, a fim de evitar a necessidade de autorização judicial em cada caso concreto, extirpando-se instabilidade e insegurança jurídicas, a alteração da legislação em vigor, com vistas a autorizar a via extrajudicial, ainda que exista interesse de incapazes, desde que haja expressa concordância do Ministério Público.
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1 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; STANCATI, Maria Martins Silva. A ressignificação do princípio do acesso à justiça à luz do art.3.º do CPC/2015. Revista de Processo, v. 254, p. 17-44, abr. 2016.
2 HILL, Flávia Pereira Hill. Desjudicialização e acesso à justiça além dos tribunais: pela concepção de um devido processo legal extrajudicial. Revista Eletrônica de Direito Processual - REDP, Rio de Janeiro, a. 15. v. 22. n. 1. jan. a abr. 2021.
3 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução Nº 35 de 24/04/2007. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/179. Acesso em: 03 nov. 2021.
4 INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. "Inventário pode ser realizado extrajudicialmente mesmo havendo filhos menores de idade, decide Justiça de São Paulo". Notícia veiculada em 12/08/2021. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/8794/invent%c3%a1rio+pode+ser+realizado+extrajudicialmente+mesmo+havendo+filhos+menores+de+idade%2c+decide+justi%c3%a7a+de+s%c3%a3o+paulo Consulta realizada em 05/11/2021.
5 ACRE. Tribunal de Justiça. Inventários com herdeiro incapaz podem ser realizados diretamente em tabelionato de notas. Disponível em: https://www.tjac.jus.br/2021/09/inventarios-com-herdeiro-incapaz-podem-ser-realizados-diretamente-em-tabelionato-de-notas/. Acesso em 02 nov. 2021.
6 ACRE. Tribunal de Justiça. Inventários com herdeiro incapaz podem ser realizados diretamente em tabelionato de notas. Disponível em: https://www.tjac.jus.br/2021/09/inventarios-com-herdeiro-incapaz-podem-ser-realizados-diretamente-em-tabelionato-de-notas/. Acesso em 02 nov. 2021.
7 GERMANDO, José Luiz; NALINI, José Renato; GONÇALVES, Thomas Nosch. Um passo adiante. CNBSP. Disponível em: https://www.cnbsp.org.br/?url_amigavel=1&url_source=noticias&id_noticia=21495&filtro=&Data=&lj=1366. Acesso em: 10 out. 2021.
8 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2020. Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf. Acesso em 03 nov. 2021, p. 224.
9 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. Provimento nº 42/2019. Art. 84-A Admite-se a lavratura de escritura pública de separação, divórcio, conversão da separação em divórcio ou extinção da união estável, consensuais, com ou sem partilha de bens, mesmo que o casal possua filhos incapazes, ou havendo nascituro, desde que comprovado o prévio ajuizamento de ação judicial tratando das questões referentes à guarda, visitação e alimentos, consignando-se no ato notarial respectivo o juízo onde tramita o processo e o número de protocolo correspondente. Parágrafo único: Lavrada a escritura, o Tabelião responsável deverá comunicar o ato ao juízo da causa mencionado no caput, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, sem ônus para as partes. Disponível em: https://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Provimento%20n%C2%BA%2042-2019.pdf Consulta realizada em 05/11/2021.
10 GONÇALVES, Thomas Nosch. Divórcio ou dissolução da união estável com filhos incapazes, um novo paradigma após provimento 83 do CNJ. CNBSP. Disponível em: https://www.cnbsp.org.br/?url_amigavel=1&url_source=noticias&id_noticia=18668&lj=1366#. Acesso em: 10 out. 2021.
11 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 83 de 14/08/2019. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2975. Acesso em: 03 nov. 2021.
O atual ordenamento jurídico processual - que emerge da Lei 13.105/15 - demonstra claramente a intenção do legislador de se tornar imprescindível que o Poder Judiciário oferte ao jurisdicionado uma prestação com observância do dever de autorreferência, presente no teor do artigo 926 do CPC, fazendo imperar a necessária construção e manutenção de uma jurisprudência íntegra, coerente e estável - garantindo, assim, o tratamento isonômico, a segurança jurídica e o princípio da proteção da confiança.
Nesse passo, dois pontos são de suma importância para a fundamental reflexão sobre a admissibilidade de embargos de declaração contra decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal que inadmite o Recurso Especial: o dever de fundamentação específica (art. 489, §1º) e o combate à jurisprudência defensiva (art. 4º, 6º, 139, IX, 317, 932, parágrafo único, 938, §§ 1º e 2º), como forma de possibilitar o alcance do mérito recursal.
A fundamentação das decisões judiciais já contava com previsão constitucional no artigo 93, IX, com o reforço no ambiente normativo processual (art.165). Todavia, esse dever de atuação jurisdicional pautado na motivação das decisões foi lapidado no CPC de 2015, impondo ao julgador uma fundamentação aprimorada, zelosa e específica. Portanto, qualquer decisão judicial precisa trazer em seu bojo a clareza, a completude e a coerência, sob pena de uma atuação estatal falha, frágil, descortinada de legitimação e validade, posto que decisão sem fundamentação é considerada nula (art. 11, CPC).
A clareza está na redação compreensível da decisão, explicitando de forma inequívoca as razões de decidir. Além disso, a decisão precisa ter termos acessíveis para o leitor, sendo considerado um ato de prestação de contas do Poder Judiciário. A coerência refere-se à necessidade de ter lógica e coesão, com harmonia entre o dispositivo e a conclusão. E a completude pauta-se no dever do julgador de tratar e motivar todas as questões relevantes do processo.1
Em normas pretéritas, já havia remédio jurídico para afastar a contradição, a omissão e a obscuridade de um comando judicial. A redação do artigo 535, I do CPC/73 previa o recurso de embargos de declaração contra sentença e acórdãos. A previsão legal trazia expressamente o cabimento para esses dois tipos de pronunciamentos, gerando controvérsia na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade desse recurso contra outros tipos de decisões judiciais.
Boa parte dos processualistas fazia uma interpretação ampla do dispositivo legal, firmando a permissibilidade do uso desse recurso para todas as espécies de decisão, inclusive contra decisão expressamente irrecorrível.
Todavia o STJ vinha posicionando-se de forma restritiva, excluindo a possibilidade de apresentação dos embargos declaratórios contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial prolatada pelo presidente ou vice do tribunal de origem - sopesando, de modo velado, tratar-se de ato protelatório, que apenas sobrecarregava o Judiciário.2
Diante de tal construção jurisprudencial da Corte Especial do STJ, os embargos declaratórios interpostos nessa hipótese passaram a ser considerados inadmissíveis, de modo a não provocar o efeito interruptivo do prazo do recurso posterior.Este precedente provocou verdadeira barreira de acesso à justiça e cerceamento da ampla defesa, pois muitos recursos foram considerados intempestivos pela ausência da interrupção do prazo pela interposição dos embargos de declaração.3
Diante da contrariedade manifestada pela comunidade jurídica quanto ao precedente judicial bloqueador da interposição dos embargos declaratórios contra decisões de inadmissibilidade do Recurso Especial, o STJ foi reconstruindo seu posicionamento para minorar os males processuais decorrentes dessa interpretação equivocada. Para tanto, apresentou uma situação excepcional de admissibilidade dos embargos declaratórios, tornando possível o seu cabimento quando a decisão de inadmissibilidade fosse genérica de tal forma que impossibilitasse a parte de apresentar fundamentos argumentativos dentro do agravo do art. 545, CPC/73.4 Todavia, essa excepcionalidade cai no vazio, diante do critério subjetivo da avaliação do julgador sobre o conteúdo da sua própria decisão, de modo que a solução jurisprudencial é verdadeiro placebo!
O legislador do CPC/15 trouxe uma importante mudança redacional quanto ao cabimento dos embargos declaratórios. Seu artigo 1022 prevê a possibilidade de interposição de embargos de declaração contra qualquer tipo de decisão judicial, sem apresentar qualquer restrição do seu cabimento para determinados tipos de pronunciamentos judiciais.
Ao interpretar o referido dispositivo legal, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal elaborou o enunciado 75 no seguinte sentido: "Cabem embargos declaratórios contra decisão que não admite recurso especial ou extraordinário, no tribunal de origem ou no tribunal superior, com a consequente interrupção do prazo recursal". Tal enunciado está em perfeita harmonia com os artigos 1.022 e 1.026 do CPC vigente.
Na doutrina, afirma-se que se torna vazia qualquer discussão sobre a possibilidade ou não de interposição de embargos de declaração contra decisão interlocutória, decisão de relator ou até mesmo decisão de presidente ou vice-presidente de Tribunal5, não importando se de mérito ou não.6
Diante dessa importante mudança redacional, passou-se a questionar se o posicionamento do STJ sobre o não cabimento dos embargos de declaração contra decisão de presidente ou vice-presidente do tribunal de origem seria mantido na contemporaneidade, já que estaria flagrantemente desconexo com a legislação processual.
Infelizmente, os Ministros da Colenda Corte mantêm a venda nos olhos, ignoram a clareza do texto legal presente no caput do artigo 1.022 e, por sua conveniência, deixam vivo seu precedente retrógrado para os dias atuais7, insistindo que o único recurso cabível para impugnar a decisão de inadmissibilidade do recurso especial é o agravo, seja agravo interno ou o agravo do art. 1.042, CPC. Também reforçam a tese de que, excepcionalmente, os embargos declaratórios podem ser considerados cabíveis se a decisão de admissibilidade for genérica, a ponto de obstaculizar a interposição do agravo.8
A obviedade que emerge do artigo 1.022, no sentido de ser cabível embargos de declaração contra qualquer decisão judicial, deve ser respeitada!
Não se deve olvidar que uma decisão de inadmissibilidade de recurso especial poderá decorrer da falta de pressupostos recursais; ou do fato do acórdão recorrido estar em consonância com tese jurídica firmada em repercussão geral e em recursos repetitivos (art. 1030, I, a e b), hipóteses em que caberá, respectivamente, a interposição de agravo do artigo 1042 e o agravo interno (art. 1030, §2º). Se tal decisão for omissa em sua fundamentação, ou obscura, ou contraditória, como poderá a parte apresentar a dialeticidade do seu agravo? De que maneira ela poderá influenciar o órgão julgador do agravo de que a decisão monocrática precisa ser anulada ou reformada? Não há como negar a possibilidade de utilização dos aclaratórios em qualquer tipo de decisão.
A resistência do STJ em manter seu precedente judicial, desprezando a vontade expressa do legislador, configura verdadeira decisão contra legem9, que macula escancaradamente o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional previsto no artigo 5º, XXXV, da CF e no artigo 3º, caput, do CPC. A Corte não pode impedir que uma decisão incompleta, omissa e contraditória seja completada, aclarada ou tornada coerente, sob pena de obstaculizar o acesso à justiça.
Segundo Marcelo Barbi, "a academia detém dois papéis fundamentais: reavaliação do velho e construção do novo"10 e, nessa linha, como arremate ao tema, deixa-se uma singela contribuição: propõe-se uma solução interpretativa enquanto não houver a superação do precedente do STJ.
Se o STJ entende que os embargos de declaração não são cabíveis contra decisão de inadmissibilidade do Recurso Especial e, por isso, não interrompem o prazo para o agravo interno e para o agravo do artigo 1.042, o presidente do tribunal, em nome do princípio da primazia do mérito, deveria aplicar a fungibilidade prevista no artigo 1.024, §3º, do CPC. Ou seja, se o presidente do Tribunal não entender pelo cabimento dos embargos, deverá intimar o embargante para aditar suas razões recursais e adaptá-las para o agravo interno ou para o agravo do art. 1.042, conforme o caso. A interpretação desse dispositivo legal não deve ser restritiva, pois o dever de proporcionar a regularização do recurso por meio da fungibilidade não se refere apenas ao relator, mas também ao presidente ou vice-presidente do tribunal para, dessa forma, evitar um grave prejuízo ao embargante.
Não há espaço para a jurisprudência defensiva no ordenamento jurídico. Seja superando o precedente do STJ de inadmissibilidade dos embargos de declaração; seja interpretando amplamente o artigo 1.024, §3º, do CPC, o que deve ser sempre garantido é o efetivo acesso à justiça, através do devido processo legal.
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1 LUCCA, Rodrigo Ramina. O dever de motivação das decisões judiciais. Estado de Direito, segurança jurídica e teoria dos precedentes. Salvador, Editora Juspodvm, 2019, p. 215 ao 221.
2 AgInt no AgRg nos EDcl no AREsp 671.167/DF.
3 Inclusive, por óbvio, contra decisões monocráticas proferidas pelos Tribunais Superiores e contra a decisão de admissibilidade proferida nos tribunais de origem. Com relação especificamente a este último aspecto, a ressalva ganha importância, na medida em que há jurisprudência, surgida no CPC/73, e que infelizmente vem se reproduzindo no CPC/15, dando conta da não interrupção do prazo, caso a parte interponha embargos de declaração da decisão do tribunal de origem, que inadmite recurso especial ou extraordinário, pois os embargos de declaração seriam incabíveis. Teresa Arruda Alvim... [et. al.], coordenadores. Primeiros comentários ao código de processo civil: artigo por artigo. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 1.576/1.577.
4 PROCESSO CIVIL. DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO A RECURSO ESPECIAL. PRAZO RECURSAL INTERROMPIDO PELA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Salvo melhor juízo, todas as decisões judiciais podem ser objeto de embargos de declaração, mas a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sem explicitar a respectiva motivação, tem se orientado no sentido de que os embargos de declaração opostos contra a decisão que, no tribunal a quo, nega seguimento a recurso especial não interrompem o prazo para a interposição do agravo previsto no art. 544 do Código de Processo Civil. Excepcionalmente, atribui-se esse efeito interruptivo quando, como evidenciado na espécie, a decisão é tão genérica que sequer permite a interposição do agravo. Embargos de divergência conhecidos e providos. EAREsp 275.615/SP; Rel. Min. Ari Pargender; DJe: 24/03/2014; STJ
5 DIDIER JR, Fredie e CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil, Vol. 3. Editora JusPodvum, Salvador, 2021, p. 334.
6 FERNANDES, Luís Eduardo Simardi. Embargos de Declaração. 5ª edição. São Paulo. Revista dos Tribunais.2020, p. 41.
7 Não cabem embargos de declaração contra a decisão de presidente do tribunal que não admite recurso extraordinário. STF. 1ª Turma. ARE 688776 ED/RS e ARE 685997 ED/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 28/11/2017 (Info 886). 1. A jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que o agravo em recurso especial é o único recurso cabível contra decisão que nega seguimento a recurso especial. Assim, a oposição de embargos de declaração não interrompe o prazo para a interposição de ARESP. 2. Excepcionalmente, nos casos em que a decisão for proferida de forma bem genérica, que não permita sequer a interposição do agravo, caberá embargos. (...) STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1143127/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017.
8 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. LAPSO TEMPORAL QUE NÃO SOFRE INTERRUPÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO INTEMPESTIVO. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS. ENUNCIADO 16 DO ENFAM. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (STJ - AgInt no AREsp: 980304 MS 2016/0237949-1, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 07/03/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2017)
9 De fato, o entendimento jurisprudencial não pode ficar alheio às mudanças empreendidas no âmbito legislativo. A existência de nova regra jurídica estabelecida pelo Poder Legislativo impõe ao Poder Judiciário que a considere e a aplique, salvo o caso de inconstitucionalidade. A falta de observância de preceitos legislativos legitimamente criados e válidos desequilibra a harmonia entre os Poderes, outorgando ao Poder Judiciário elevada dose de autoritarismo. BARIONI, Rodrigo; CARVALHO, Fabiano. Embargos de declaração e a decisão de inadmissibilidade do recurso especial: uma discussão necessária. In: O CPC de 2015 visto pelo STJ. Teresa Arruda Alvim... [et. al.], coordenadores. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. P. 910
10 GONÇALVES, Marcelo Barbi. Execução fiscal: um retrato da inoperância, o (bom) exemplo português e as alternativas viáveis. Revista de Processo. v. 247. ano 40. p. 451-471. São Paulo: Ed. RT, setembro 2015. p. 469-470.
Aspectos gerais sobre a audiência de tentativa de mediação e conciliação (art. 334 do CPC)
A audiência1 de conciliação ou de mediação tem previsão no artigo 334 do CPC e representa instituto apto a instrumentalizar a disposição da norma fundamental prevista no art. 3º, §§2º e 3º do referido diploma processual2, que determina o comprometimento do Estado em promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
A mesma norma consagra o dever de incentivo às práticas de conciliação e mediação por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Isso significa que todos os sujeitos do processo devem estar atentos e empenhados em buscar meios e viabilizar condições para a construção do consenso, visando à efetividade e à celeridade do processo, bem como à pacificação social e ao descongestionamento do Poder Judiciário.
Assim, o CPC, através de seu art. 3º, incentiva o desenvolvimento e a utilização de meios "alternativos"3 ou adequados para a solução de conflitos, tais como as técnicas da mediação e conciliação, seja na via judicial ou extrajudicial, a negociação e a arbitragem.4
Tal norma fundamental está intrinsecamente ligada à ideia de cooperação no processo, que configura outra importante diretriz normativa da lei processual civil, estampada no art. 6º.5
Quanto ao procedimento, determina o CPC, em seu artigo 334, que se a petição inicial atender a todos os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido (art. 332), o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação (conforme matéria envolvida na lide apresentada), com antecedência mínima de trinta dias, devendo ser citado o réu com pelo menos vinte dias de antecedência. A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado.
A não ocorrência da audiência deve ser exceção, nas hipóteses do § 4º do art. 3346, o qual deve ser interpretado em conjunto com o art. 166, caput do CPC, no que diz respeito, sobretudo, à autonomia da vontade das partes.7
A solenidade pode realizar-se por meios eletrônicos, nos termos da lei, seguindo-se inclusive a lógica de priorizar atos eletrônicos quando possível, prestigiando-se a celeridade (art. 334, § 7º).
Se não houver comparecimento nem justificativa plausível para a ausência do autor e/ou do réu na audiência, configurado estará o ato atentatório à dignidade da justiça e haverá imposição de sanção: multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado8.
A falta da audiência, portanto, é compensada pela cominação de pena pecuniária significativa, por meio da qual o legislador imaginou pressionar os litigantes a participarem da tentativa de autocomposição.9
Não há que se falar em revelia caso o réu não compareça à audiência. A revelia decorre da não apresentação de contestação (art. 344 CPC).
As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos, segundo o §9º do art. 334. A interpretação do referido dispositivo deve ser no sentido de que a ausência do advogado impede o ato? Entende-se que não, como forma de incentivar a solução consensual e considerando a presença de conciliador/mediador. Há doutrina em sentido contrário, no entanto.10
Conforme o §10 do mesmo dispositivo, a parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir. Sobre tal regra, o STJ já decidiu que o representante legal da parte pode ser o seu advogado, desde que munido de procuração com poderes para transigir11.
A audiência de mediação e conciliação no procedimento executivo
É certo que a obrigatoriedade da audiência de tentativa de conciliação e mediação está prevista no CPC apenas para a fase de conhecimento, no art. 334.
O art. 740 do CPC/73 até previa a possibilidade de, após o recebimento dos embargos e a oitiva do exequente, ser designada audiência de mediação ou conciliação, mas o CPC/2015 não inseriu tal audiência no procedimento executivo, pelo menos não de forma típica.
O art. 920, que trata do procedimento dos embargos, faz referência apenas à audiência de instrução e julgamento. O art. 916 contempla a possiblidade de pagamento parcelado do valor da execução, mas o dispositivo não pode nem ser considerado propriamente como hipótese de solução consensual, pois está mais para direito potestativo do executado, visto que a sua incidência não depende da concordância do exequente, que será ouvido apenas para se manifestar sobre o preenchimento dos pressupostos legais do requerimento.
De qualquer modo, não há óbice à designação de audiência de mediação ou conciliação no processo de execução: primeiro, em razão do disposto no art. 139, V, do CPC, segundo o qual o juiz poderá promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; segundo, levando em conta o art. 772, inciso I, que permite ao juiz, em qualquer momento do processo, ordenar o comparecimento das partes, o que pode ter por escopo a tentativa de conciliação.
A doutrina também considera possível a aplicação da técnica do art. 334 ao processo de execução. Isso porque, embora se trate de regra pertinente à fase de conhecimento, o art. 318, parágrafo único, estabelece a aplicação subsidiária do procedimento comum ao processo de execução.
Para Trícia Navarro, o juiz pode utilizar a técnica do art. 334 no procedimento executivo, inclusive com a possibilidade de aplicação de multa pelo não comparecimento injustificado, sem prejuízo da prática dos demais atos executivos, porquanto a audiência não teria o condão de suspendê-los12.
De modo geral, no entanto, considera-se que o art. 334 deve incidir nos embargos à execução e não na fase inicial da execução, a exemplo do que ocorria na vigência do CPC/73.
Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves sustenta que os embargos, apesar de não seguirem o procedimento comum, comportam a audiência do art. 334, mas a regra não seria vinculativa, de modo que a sua designação seria apenas uma opção do juiz, não sendo, em consequência, cabível a imposição da sanção prevista no art. 8º13.
Para Araken de Assis, "[...] a aplicação subsidiária do procedimento comum aos embargos [...] indica claramente a possibilidade de o órgão judicial designar a audiência do art. 334, apesar do art. 920 aparentemente dispensá-la". Nesse caso, haveria influência sobre a contagem do prazo da contestação do embargado, que passaria a fluir: a) da data de audiência; b) do protocolo da manifestação do desinteresse do embargado na realização da audiência; c) ou nos termos do art. 231, nas demais hipóteses14.
Em suma, parece não haver dúvidas sobre a possibilidade da designação da audiência de mediação ou conciliação no processo de execução, com fundamento no 139, V ou no art. 334 do CPC, a requerimento das partes, ou de ofício pelo juiz. Quanto à audiência do art. 334, porém, a doutrina faz referência à sua designação apenas nos embargos à execução.
A questão é saber se é possível a designação da audiência de tentativa de mediação ou conciliação com base no art. 334 na fase inicial da execução e se, nesse caso, haveria alteração na contagem do prazo para a apresentação dos embargos, que se iniciaria a partir da referida audiência.
Não se vislumbra qualquer obstáculo à incidência do art. 334 no processo de execução, em sua fase inicial, antes da propositura dos embargos, em razão do já referido art. 318, parágrafo único.
Não obstante, entende-se que a aplicação do dispositivo não tem o condão de alterar a contagem do prazo para oferecimento dos embargos.
Segundo o art. 915, o prazo para a apresentação dos embargos à execução é de 15 dias, contado, conforme o caso, na forma do art. 231. Como não há previsão de audiência de mediação ou conciliação, não há evidentemente qualquer regra sobre eventual alteração da contagem do prazo dos embargos caso seja designada a audiência do 334 antes da sua propositura.
A matéria foi levada ao STJ, através do RESp 1.919.295 - DF, de Relatoria da Min. Nancy Andrighi, julgado em maio de 2021, que decidiu no sentido da impossibilidade dessa alteração. Segundo a Relatora, modificar o prazo dos embargos nessa hipótese "(...) daria o poder à parte executada, que eventualmente perde o prazo para a realização do ato, requerer - sob o auspicioso argumento de que o espírito da lei incentiva a autocomposição entre as partes - a solicitação de audiência de conciliação para, só após a sua ocorrência, manifestar sua resistência à execução".
Além disso, tem-se que seria também uma forma de postergar o desfecho do processo executivo, com a apresentação dos embargos em prazo muito superior ao legalmente previsto. Em outras palavras, seria uma forma de o executado ganhar tempo, inclusive de forma ilegítima, caso não tivesse qualquer intenção de conciliar. Solicitaria a designação da audiência apenas para procrastinar a execução.
No recurso especial levado ao STJ, por exemplo, o executado foi citado em 07/03/2019 e o mandado de citação foi juntado aos autos em 18/03/2019. A Defensoria Pública habilitou-se nos autos no dia 14/03 e foi solicitada a designação de audiência de conciliação. Instada a manifestar-se sobre o pedido, a recorrida concordou com o pleito, em 23/07/2019; a audiência de conciliação foi designada para o dia 24/09/2019, tendo restado infrutífera. Os embargos à execução foram opostos pelo recorrente em 26/11/2019.
Um prazo que se encerraria em maio teria sido, nessa hipótese, postergado 6 meses, o que não é razoável. Isso não significa que o executado não possa pleitear a realização da audiência de mediação ou conciliação. Pode fazê-lo com base no art. 139, V ou com esteio no 334, antes ou após a oposição dos embargos.
Se formulado após a oposição dos embargos, com base no art. 334, tendo em vista a sua natureza de demanda de conhecimento, o prazo para a contestação do embargado começará a correr após a audiência, se ela ocorrer.
Porém, se requerida a audiência do art. 334 antes da oposição dos embargos, o deferimento da sua realização não terá o condão de alterar a contagem do prazo para oferecimento da defesa do executado, que deverá ocorrer na forma do art. 915, não podendo ser postergada para depois da realização da audiência.
Como alternativa, entrementes, pode o executado tentar realizar com o exequente negócio jurídico processual, tanto para realização da audiência do art. 334, como para a modificação da contagem do prazo da oposição dos embargos. Se o exequente concordar, nada impediria, a priori, a sua efetivação.
Deve-se dizer que, uma vez aplicada a técnica do art. 334 à execução, devem incidir as regras contidas em seus parágrafos, desde que compatíveis com o procedimento executivo, inclusive a multa pelo não comparecimento injustificado das partes, desde que a imposição respectiva não advenha de decisão-surpresa, em respeito ao contraditório efetivo (art. 10 do CPC).
Finalmente, considerando a norma fundamental prevista no art. 3º do CPC, de estímulo à solução consensual dos conflitos, atrelada ao disposto do art. 139, V, entende-se que devem os juízes da execução designar, tanto quanto possível e quando vislumbrarem a possibilidade de solução consensual, audiência de conciliação no processo executivo.
Registre-se que a campanha da XVI Semana da Conciliação deste ano de 2021 do CNJ terá como ação prioritária a tentativa de acordo nas execuções em geral, independentemente do estágio ou fase em que se encontrem15, com o objetivo de reduzir as taxas de congestionamento do Poder Judiciário.
De lege ferenda, é de se pensar em uma proposta de alteração legislativa do CPC para que seja prevista expressamente a incidência o art. 334 nos embargos à execução, ressalvado o desinteresse do exequente na solução autocompositiva, já que a execução se realiza em seu interesse.
Referências bibliográficas
ARBS, Paula Saleh e FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Da Possibilidade de Designação da Audiência de Conciliação do Artigo 334, CPC/15, no Processo Executivo. Disponível aqui, capturado em 29/10/2021.
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CARNEIRO, Athos Gusmão. Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares. 15ª edição. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014.
MEDINA, José Miguel Garcia. Guia prático do novo processo civil brasileiro/ José Miguel Garcia Medina e Janaina Marchi Medina. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2016.
TARTUCE, Fernanda. Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos. Disponível em www.fernandatartuce.com.br, capturado em 30/10/2021.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Vol. 1. 57 ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
WELSCH, Gisele Mazzoni. "Audiência de mediação e conciliação". In: Primeiras linhas de direito processual civil: volume 2 - Processo I/ Felipe Camilo Dall'Alba, João Paulo Kulczynski Forster, coordenadores. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.
*Renata Cortez é registradora civil e tabeliã no Estado de Pernambuco. Doutoranda em Direito Processual pela UERJ. Mestre em Direito e Especialista em Direito Processual pela UNICAP. Membro do IBDP e da ANNEP. Coordenadora e professora de cursos de pós-graduação "lato sensu".
**Gisele Mazzoni Welsch é pós-doutora pela Universidade de Heidelberg (Alemanha). Doutora e Mestre em Teoria da Jurisdição e Processo pela PUC-RS. Especialista em Direito Público pela PUC-RS. Professora de cursos de pós-graduação "lato sensu" em Processo Civil. Advogada e parecerista.
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1 Há autores que criticam a utilização do termo "audiência" e que deveria ser empregado o termo "sessão", porquanto o primeiro estaria afastado da ideia de diálogo que deve nortear a tentativa de acordo entre as partes. Fernanda Tartuce (In: Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos. Disponível em www.fernandatartuce.com.br, capturado em 30.10.2021), por exemplo, utiliza a expressão "sessão consensual".
2 Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
3 A nomenclatura empregada por grande parte da doutrina de técnicas ou meios alternativos para a solução consensual de conflitos deve ser questionada, uma vez que, frente às dificuldades e problemas impostos pela prestação jurisdicional, muitas vezes tais meios não se mostram como mera alternativa de obtenção de justiça no caso concreto, mas sim como veículo mais adequado e eficaz para a tutela do direito material pretendido ou envolvido.
4 A arbitragem tem regulação legislativa própria em nosso sistema jurídico, originariamente pela Lei nº 9.307/96 e, mais recentemente, revigorada e ampliada pela lei 13.129/15, a qual amplia o âmbito de aplicação da arbitragem e dispõe sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.
5 Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
6 § 4o A audiência não será realizada:
I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;
II - quando não se admitir a autocomposição.
7 MEDINA, José Miguel Garcia. Guia prático do novo processo civil brasileiro/ José Miguel Garcia Medina e Janaina Marchi Medina. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.p. 89.
8 A natureza dessa multa é punitiva, apesar de ter caráter pedagógico preventivo, no sentido de evitar o descomprometimento das partes com a tentativa de solução consensual do conflito.
9 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Vol. 1. 57 ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P.796.
10 Nesse sentido: Athos Gusmão Carneiro. Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares. 15ª edição. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 70.
11 AgInt no RMS 56.422/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/06/2021, DJe 16/06/2021
12 ARBS, Paula Saleh e FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Da Possibilidade de Designação da Audiência de Conciliação do Artigo 334, CPC/15, no Processo Executivo. Disponível aqui, capturado em 29/10/2021.
13 Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1262/1263.
14 Manual da execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.612-1.613.
O atual retrato do processo civil brasileiro conduz a uma reflexão acerca do sistema processual que, na busca da efetividade alçada a nível constitucional, introduziu modificações pontuais e, muitas vezes, despreocupadas com a unidade do contexto legal, mesmo após a edição do novo Codex.
Nesse cenário, avulta a importância do papel do intérprete, de modo a evitar que a aplicação incoerente das novas regras possa afastar esse elo entre o processo na sua moderna versão instrumental, a justa composição e satisfação do litígio, bem como a preservação dos princípios processuais constitucionais.
Adapta-se ao tema a lição de Luiz Gonzaga Modesto de Paula, ao afirmar que "em razão da proibição da denegação da justiça, a antinomia no sistema acaba sendo resolvida pelo órgão judicante, muito embora seja mantida no mesmo sistema, já que somente pode ser eliminada pela ação legislativa"1.
Há que se buscar, portanto, a unidade sistemática vinculada à teleologia do quadro em que se insere a norma. Sistema, na lição de Maria Helena Diniz2 significa nexo. A respeito, conclui a Autora que "o direito não é um sistema jurídico, mas uma realidade que pode ser estudada de modo sistemático pela ciência do direito. É indubitável que a tarefa mais importante do jurista consiste em apresentar o direito sob uma forma sistemática, para facilitar seu conteúdo e manejo pelos que o aplicam".
Os elementos do sistema interligam-se nesse liame, no conjunto normativo, revelando o princípio da unidade, de modo a representar um quadro coerente e atento à segurança jurídica.
Constata-se uma evolução das formas instrumentais que eram antes concebidas nos campos de cognição e de execução, moldados em compartimentos estanques, nominados em função da classificação das ações em declaratórias, constitutivas e condenatórias. Pontes de Miranda3, e com inspiração no direito alemão, trouxe ainda um novo enfoque, mediante inclusão de duas novas categorias de ações: a mandamental e a executiva.
Na sequência desta abordagem, o que se verifica na tese de Ovídio Baptista é que acaba por localizar o conceito de ação unicamente na execução, não obstante, de fato, essa fase configure o exercício efetivo da jurisdição. Mas aí teremos as técnicas de satisfação material do ius imperium que resulta da atividade cognitiva.
O tema, todavia, tem sido equivocadamente reduzido ao terreno das classificações. Já quando sua abordagem leva em conta a carga da sentença, haverá de ser a eficácia do provimento judicial o vetor das observações que se seguirem. Ou seja, na medida em que o direito processual seja tomado em seu aspecto teleológico instrumental, não se pode deixar à margem que o mesmo existe para a realização do direito material.
Barbosa Moreira, com costumeira lucidez, aborda o tema da autonomia da ação executiva prevenindo:
"(..) De quem a proclame, todavia, cabe esperar que proponha conceito nítido de sentença executiva, a cuja luz, segundo critério invariável (por exemplo, de acordo com o conteúdo ou então de acordo com os efeitos), seja possível distinguí-la com precisão, de cada uma das outras espécies de sentenças. Só com essa condição é que se legitimará a proposta. Fora daí, corre-se o risco de falar (e discutir) acerca de algo que não se sabe bem o que é - aventura das mais temerárias.4"
Na classificação processual, o critério distintivo normalmente aceito pela doutrina é o provimento jurisdicional invocado, isto é, o pedido imediato.5Isso porque o pedido mediato - o bem da vida - diz respeito à classificação material e com esta o processo mantém ponto de contato, não por classificação, mas por seu caráter instrumental, capaz de gerar técnicas (rectius meios executórios) suficientes à satisfação do direito.
Justifica-se a instrumentalidade do processo na medida em que se verificam peculiaridades da situação litigiosa, à qual equivalem os meios a que terá a seu dispor. E esses meios haverão de guardar dependência - (rectius, adequação) - com o tipo de direito envolvido, ou serão ineficazes, revelando-se aí o ponto de contato entre o direito processual e o material. Há tipicidade nas tutelas, não nas técnicas (meios).
Claro está que o processo de conhecimento, porque visa à definição do direito, requer atos e rito distintos daqueles exigidos para a execução, onde se cuida da realização coativa do direito declarado, assim como em relação ao processo cautelar, que busca a segurança do interesse em lide. Há adequação teleológica também quando o procedimento é adaptado aos valores preponderantes em cada caso.
Afirma Marinoni6, a respeito, muito embora diversamente do que aqui se defende, localize ele na cognição o que, na verdade, reside na execução, que: "não há dúvida que, se um direito não pode ser tutelado por meio de cognição plena, a ele deve ser deferido um procedimento especial7".
Portanto, o grau de eficácia das sentenças - que é o modo como vamos agora adequar o tema, diz respeito diretamente ao caráter instrumental das decisões. Há a respeito, argumento inafastável: Suponha-se, para tanto, determinada sentença, dita mandamental (por classificação), em que não seja eficiente o meio executório, de modo a propiciar a sua alteração posterior. Colhe tal situação o preceito do art. 809 do CPC, ao dispor sobre "frustração do meio executório", capaz de transformar a execução, nas hipóteses: de a coisa (a) não ser encontrada; (b) não ser entregue; (c) ter se deteriorado; (d) não for reclamada do terceiro adquirente, caso em que permite ao credor desistir de reclamar o bem na posse de terceiro.
Segundo doutrina e jurisprudência prevalentes, a modificação do pleito é admissível em qualquer fase, desde que comprovada a impossibilidade superveniente. Trata-se das denominadas "providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento", que permitem ao juiz alterar o modus procedendi da sentença, pois os meios executórios não fazem coisa julgada.
De fato, atinente às ações executivas, conquanto a sentença possa desde logo fixar as medidas coercitivas a serem tomadas em caso de descumprimento, a respeito não se opera a coisa julgada, podendo o juiz alterar, de ofício e a qualquer tempo, acrescendo ou substituindo tais imposições por outras, capazes e suficientes à efetividade perseguida.
Medina8bem demonstra o acerto dessa conclusão ao afirmar:
"A condenação, funcionalmente, existe para possibilitar o acesso do demandante ao processo de execução, sendo que esta função não decorre, necessariamente, de uma exigência do direito material, mas do sistema processual. Assim considerada, a função desempenhada pela condenação pode ser encampada por outros instrumentos processuais que possibilitem acesso às vias executivas."
Tome-se como exemplo ainda a ação de alimentos, cuja prestação se dá por meio de desconto em folha, sem necessidade do processo de execução subsequente, portanto. Se o réu deixar de trabalhar com vínculo empregatício, e sendo necessário o emprego da execução para o recebimento da pensão alimentícia, considera-se modificado o provimento que deu origem à execução?
Como afirmar então, desde logo, seja a sentença mandamental, condenatória ou executiva, se ao depois, os meios executórios revelarem natureza diversa? Ou seja, como considerar mandamental uma sentença que, em seguida, revela-se executiva, por antecipada frustração dos meios executórios? Tudo conduz a considerar que a situação se resolve no âmbito da efetivação da sentença e não no da cognição. Calamandrei censura também esse critério porque busca identificar a condenação não no que ela é, mas no que prepara. Ou seja, baseia a definição num elemento situado fora da situação a definir.
Resulta daí a impropriedade de apressadamente situar no terreno das classificações o que, de fato, diz respeito à eficácia mutável das sentenças, tendo em conta o caráter teleologicamente instrumental do processo, apto a dar atendimento ao direito material.
Ajusta-se ao tema o sincretismo adotado pela reforma processual e seguido pelo novo diploma, tendente a abolir a autonomia da execução, que suscitou calorosos debates doutrinários, todos partindo da célebre doutrina de Liebman9, segundo o qual, por razões históricas, mais precisamente a actio iudicati romana, a efetivação da sentença sempre teve como regra o destaque em relação à cognição.
Em nosso direito, conquanto detectada a doutrina de uma classificação quinaria das ações, trazida do direito alemão pela obra clássica de Pontes de Miranda10, o tema ganhou relevo a partir do incremento da atividade executiva inaugurado pela lei 8.952/94, que deu nova redação aos art. 273 e 461 do CPC, hoje art. 300 e 497 do CPC/15, sendo que até esse momento a execução, em relação à cognição, situava-se em compartimento estanque, em regra.
Antes, embora já consagradas as tutelas relativas a obrigações de dar, fazer ou não fazer, eram elas despidas de meios executivos eficientes, de modo que, na prática, acabavam por resultar inoperantes, dada a adoção da incoercibilidade, resultado de histórica doutrina inspiradora do direito processual pátrio.
E essa dicotomia entre a cognição e a execução foi muito difundida no direito alemão, nas lições de Rosenberg e Schwab11. As principais objeções à unificação, na teoria encampada por Liebman, têm por fundamento o fato de a execução ter seus próprios pressupostos processuais, partes, objeto, o juiz competente poder ser pessoa diferente da que processou e julgou a causa, as partes poderem ser outras que não as do processo de cognição (..)12.
Mais modernamente, com o advento do reconhecimento da unidade procedimental, essa autonomia tão brilhantemente defendida pelo Mestre peninsular ganhou nova fisionomia na busca da efetividade, de modo a garantir a eficiente e célere prestação jurisdicional, que, na linguagem das reformas, adotou o sincretismo entre a cognição e a execução.
Não fere a preservada autonomia admitir que, em casos tais, a atividade executiva seja exercida sem a instauração do processo de execução, porque inexiste essa incindibilidade que, na verdade, tem natureza circunstancial, concebida nas legislações europeias em outro momento histórico, inconciliável com a modernidade estampada na busca da efetividade instrumental, tratando-se, portanto, de questão de política legislativa.
Aqui cabe a lição de Marinoni13:
"A importância da distinção entre coerção e sub-rogação está na necessidade de se inserir no sistema dos arts. 461, 461-A do CPC e 84 do CDC a diferença entre sentenças que são executivas em razão do que existe no plano de direito material e sentenças que dispensam a ação de execução por uma questão de política processual, relacionada apenas com a necessidade de se dar maior poder de execução ao juiz."
Ou isso, ou restaria sem explicação a opção do legislador, de subtrair à incidência da norma, a execução de sentença judicial contra a Fazenda Pública. Supõe-se que considerou a existência de regras constitucionais a respeito do sistema de pagamento da dívida pública e ainda ser o erário suficiente e apto a responder à satisfação do crédito, de modo que sendo a reforma teleologicamente voltada à maior efetividade da execução, no sentido de evitar a final insatisfação, dispensável a incidência de regras tais que visem a assegurar, de algum modo, o pagamento do débito. E deveria ser, por isso, de diferente classificação (por natureza) aquela sentença condenatória proferida contra a Fazenda Pública em relação às emitidas contra os demais contemplados na norma? Por certo que não.
A figura do executado, ou seja, o fato de não se tratar de pessoa jurídica de direito público, por exemplo, terá o condão de dispensar a instauração do processo de execução autônomo para as hipóteses previstas na norma. A inovação processual trazida pela reforma na lei 11.232, de 22/12/05 e encampada pelo CPC/15, nada mais representa, portanto, do que a confirmação desse argumento, uma vez que introduziu em nosso ordenamento a figura do "cumprimento de sentença", a extirpar a necessidade de processo para a execução da sentença ali contemplada.
A nova reforma teve por objetivo atender os anseios de efetividade e, em especial, prestigiar o caráter de instrumentalidade do processo e o princípio de acesso à Justiça, tão prejudicados com a morosidade do Judiciário, capaz de reduzir direitos a meras aspirações intangíveis. Muritiba14, oportunamente, anota que a "sociedade pós-moderna exige resultados rápidos. O próprio direito subjetivo é um fenômeno efêmero, capaz de perder a sua significância se a tutela jurisdicional for postergada."
Não há, partindo das premissas examinadas, como admitir a conclusão de parte da doutrina15, que afasta a natureza executiva da eficácia do provimento, uma vez que o juiz não poderá determinar a realização de atos executivos na sentença, senão a requerimento do credor. O que não poderá o juiz é inaugurar a fase executiva da demanda, como de resto já não lhe era lícito fazer nas ações ditas "executivas".
A lição de Teresa Wambier e Medina16responde com perfeição a esse argumento, ao mencionar que "distingue-se, no entanto, daquelas ações pelo fato de determinar, na própria sentença, a realização de atos executivos. A concretização de tais atos executivos, no entanto, não ocorrem na própria sentença, mas no mesmo processo em que ela foi proferida".
Isso porque essa distinção pragmática inexiste: nas ações ditas "mandamentais" e nas "executivas" (que nada mais são do que condenatórias, com eficácias diferenciadas), a instauração dos meios executivos também depende de iniciativa da parte; não será de modo próprio que irá o juiz, que decretou o despejo, ordenar e fornecer meios para que se expeça o competente mandado e concretizar a sentença, se não houver requerimento do autor da demanda, direito disponível.
Adequada a inovação a esse tipo de provimento, do qual não guarda distância, uma vez que, aqui e lá, sempre serão necessárias medidas executivas para a efetivação do direito17. O que ocorre, no caso do cumprimento de sentença, é a adequação dessas medidas executivas à natureza do provimento, capaz de atingir indiscriminadamente o patrimônio do devedor. Recorde-se que mesmo nas execuções específicas pode haver conversão de procedimento, se frustrados os meios de execução, pelo equivalente obrigacional ou pecuniário, como antes mencionado.
Araken de Assis não admite esse entendimento, considerando que "qualquer que seja o tratamento legislativo, variando os pendores legislativos ao sabor de múltiplas circunstâncias, algumas pouco científicas, a diferença funcional sempre se fará presente18".Prossegue afirmando que, a despeito de ter sido dispensada a citação do executado, há novo processo. Argumenta que a citação sequer se anuncia como pressuposto de existência, de modo que não obsta o desenvolvimento do processo, já instaurado na fase de cognição, concluindo tratar-se do que denomina "cumulação sucessiva" de ações em simultaneo processu, com função processual diferente e autônoma.
Essa afirmação decorre do posicionamento adotado pelo mesmo autor em outra obra19, para quem a natureza de executividade decorre das sentenças têm em mira valor identificado, com força executiva imediata. Seria "diferida" a execução, quando atinge a esfera patrimonial do devedor, de modo que se torna necessário o controle pleno do meio executório. Conclui então:
"O efeito executivo caracterizado pela execução diferida a outro processo, cria o título e preside o nascimento da ação executiva regulada no Livro II do vigente CPC, argumentando a respeito que a satisfação do autor vitorioso não decorre do juízo positivo acerca de sua razão, e conseqüentemente procedência da demanda ajuizada. Ela depende da prática de atos materiais tendentes a outorgar ao vitorioso o bem da vida, ação na qual preponderam os atos satisfativos e executivos."
A lição segue clássica doutrina representada por Ovídio Baptista da Silva20que defendeu a divisão em categorias real e pessoal, para designar afetas às ações executivas apenas aquelas que contivessem pretensões materiais de natureza real, dando relevo ao liame existente entre o titular do direito real e a coisa, possibilitando que da sentença possa vingar imediatamente a prática de atos materiais tendentes ao apossamento.
Tal entendimento não resiste, todavia, a exemplos de pretensões obrigacionais, capazes de igualmente serem albergadas por demandas executivas, ou seja, tanto nas ações obrigacionais, como nas reais, de obtenção ou entrega do bem, estará a demanda provida dessa executividade, nos moldes do atual ordenamento processual21.
Concluindo, a classificação ternária melhor se amolda aos conceitos aqui defendidos, mantendo na esfera da cognição a categorização das ações, sem desbordar inadequadamente para o campo moldável da execução.
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1 Mestre em Direito Processual Civil pela PUCSP; Professora da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado. Procuradora do Estado aposentada. Advogada em São Paulo. Luiz Gonzaga Modesto de Paula . A Lacuna e a Antinomia no Direito Tributário, RT 539:25-33. A lição tem inspiração em Kelsen, ao mencionar que "o que órgão aplicador do Direito, na hipótese de um conflito entre duas normas jurídicas gerais, pode, porém, fazer, é apenas: decidir-se, num ato de vontade, pela aplicação de uma ou outra das duas normas, pelo que permanece, porém, a existir o conflito entre ambas as normas jurídicas gerais" (KELSEN, Hans, Teoria Geral das Normas, SP:Sergio Antonio Fabris Editor, 1986, p. 284).
2 DINIZ, Maria Helena, Conflito de Normas, São Paulo:Saraiva 2003, p. 8
3 Tratado das Ações, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas:Bookseller, 1999, p. 131.
4 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sentença Executiva? Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, São Paulo: Editora DPJ, 2005, p.626, Coord: YARSHELL, Flavio Luiz e ZANOIDE DE MORAES, Mauricio , p. 626.
5 YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela Jurisdicional, São Paulo: Editora DPJ, 2006, p. 59.
6 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, São Paulo: RT, 2006, p. 196. Araken de Assis (Manual do Processo de Execução, São Paulo: RT, 11ª edição, p. 111) considera a respeito que o livro do "processo de execução" do CPC contém itinerários exteriores que revelam princípios "evidentemente calibrados à natureza da respectiva prestação jurisdicional" Sérgio Muritiba (Ação Executiva Lato Sensu e Ação Mandamental, SP:RT 2006., p. 106) ressalta que "nesse contexto, mais uma vez exaltamos que as técnicas executivas "lato sensu" e mandamental ajustam-se à sociedade pós-moderna, pois dispensam o litigante vitorioso da árdua tarefa da instauração do processo de execução e possibilitam a entrega da tutela jurisdicional de forma mais ágil e eficiente. Basta, por hora, mencionar que, além da dispensa de formação de nova relação processual de natureza executiva, tais técnicas rejeitam a propositura dos chamados embargos do devedor, que, como sabemos, têm sua justificativa arrimada nesses ultrapassados ideais utópicos de segurança e certeza."
7 Técnica, Ob.cit.,p. 225.
8 MEDINA, José Miguel Garcia.Execução civil, São Paulo: RT, 2004, p. 397. (in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia, O Dogma da Coisa Julgada, São Paulo: RT,2003, p. 148 e p. 158 e ss) abordam o tema, referindo-se à "atipicidade" que encerra o artigo 461 parágrafo 5º do CPC, que dispõe ao juiz as "medidas necessárias" para a realização da tutela específica, de modo que inexiste a respeito a predeterminação.
9 LIEBMAN, Enrico Túlio. Processo de Execução - São Paulo: Bestbook Editora, 2003, p. 65.
10 Essa ideia se materializou com a evolução das formas instrumentais que eram antes concebidas nos campos de cognição e de execução, moldados em compartimentos estanques, nominados em função da classificação das ações em declaratórias, constitutivas e condenatórias. Pontes de Miranda, e com inspiração no direito alemão, trouxe ainda um novo enfoque, mediante inclusão de duas novas categorias de ações: a mandamental e a executiva. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das Ações, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 1999, p. 131. Para o Autor, as classificações usuais das ações e sentenças feitas pela doutrina são classificações das respectivas ações de direito material que constituem a substância dos respectivos processos onde elas se encontrem. A classificação das ações não diz respeito à relação processual e sim à lide, nada tem a ver com a forma de processo, e sim com o seu conteúdo. Quando se diz que as ações - e as respectivas sentenças de procedência - podem ser declaratórias, constitutivas ou condenatórias, está-se a indicar a ação de direito material afirmada existente pelo autor, em sua petição inicial, e que na perspectiva da relação processual concreta em que elas se apresentam, não serão mais simples hipóteses de trabalho com que o magistrado se depara", concluindo que há uma duplicação de ações: uma dirigida contra o obrigado, outra endereçada contra o Estado, para que este, por meio do juiz, pratique a ação cuja realização privada, pelo titular do direito, o próprio Estado proibiu.
11 Trazidos à colação por Medina (Execução Civil, ob.cit.,, p. 273): "o processo de execução e o de conhecimento são, no direito moderno, dois processos autônomos, independentes um do outro."
12 Enrico Túlio Liebman (Ob.cit., Processo de Execução,ps. 70/1"
13 Técnica Processual e Tutela dos Direitos, ob.cit., p. 134."
14 Ob.cit., p. 106.
15 Luiz Rodrigues Wambier - Sentença civil - liquidação e cumprimento, São Paulo: RT, 2006, p. 40.
16 Dogma, Ob. Cit., p. 148.
17 Interessante a abordagem de Barbosa Moreira. Afirma o Autor que "decretado simplesmente o despejo, que valor desloca-se ipso facto, do patrimônio do réu para o do autor? Nem sequer se há supor que o objeto da locação passa, como um passe de mágica, das mãos do locatário para as mãos do locador. Isto virá apenas a acontecer, de modo bastante prosaico e nada espetacular, no momento em que o locatário, voluntariamente, entregar a coisa ao locador, ou naquele em que se cumprir o mandado de evacuando: antes não..." (ob.cit., p. 627) Acrescenta a seguir que:"é por meio dessa atividade jurisdicional complementar que se modifica o estado de fato - algo que à sentença, insista-se à exaustão - de maneira alguma é dado operar ex marte proprio". (Sentença Executiva? Ob. Cit., p. 131). Evaristo Aragão dos Santos com propriedade afirma que "nenhuma relação é capaz, por si própria, de produzir efeitos fora do mundo jurídico" (ob.cit., p. 129),com o que sempre exigirá atividade complementar, a ser realizada pelo Judiciário.
18 ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença - Rio de Janeiro: Forense 2006, p. 173.
19 ASSIS, Araken de. Manual, ob.cit., p. 93.
20 SILVA, Ovídio Baptista. Curso de Processo Civil, São Paulo: RT, 2000, p. 19 e ss.
21 O artigo 461-A do CPC prevê a ação que parte da doutrina denomina como "executiva lato sensu" para as pretensões contendo obrigação de entrega de coisa certa, qualquer que seja o vínculo - real ou obrigacional. Marinoni bem destaca a respeito que "se é verdade que a pretensão fundada em violação de direito real deve abrir oportunidade à ação executiva, é também correto dizer que essa ação será igualmente bastante para os casos em que se exige a restituição de coisa em virtude de desconstituição da relação obrigacional que dava sustentação à posse". (Ob.cit., Técnica, p. 487) . Carnelutti bem destacou que "enquanto o direito de crédito tenha por objeto uma "species", não se apresenta nos atos executivos nenhuma diferença saliente entre o caso de simples execução (de um direito real) e o da expropriação (para um direito de crédito). A execução se efetua sempre tirando ao obrigado o bem que devia não tomar ou deixar tomar para consigná-lo ao titular do direito" Sistema de derecho procesal civil. Tradução de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo e Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Argentina, vol. I, p. 305.
As audiências virtuais ganharam destaque abruptamente com o início da pandemia da Covid-19 no Brasil, já com certo atraso, considerando-se a existência da lei 11.419/2006 e a previsão expressa no texto do Código de Processo Civil de 2015 autorizando a prática de atos processuais por meio eletrônico (arts. 193 a 199), mais especificamente por videoconferência (art. 236, §3º), inclusive audiências de mediação e conciliação (art. 334, §7º), sustentações orais (art. 937, §4º), colheita de depoimentos (art. 385, §3º) e oitivas de testemunhas (art. 453, §1º). Em que pese todas as benesses que a tecnologia nos proporciona, alguns fatos indesejáveis têm ocorrido nas audiências virtuais, impulsionando a elaboração deste pequeno ensaio, pois tais fatos podem ser considerados como verdadeiras violações ao devido processo legal constitucional, ao suprimir direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Ora, as audiências são atos processuais complexos, integrados por uma sucessão de atos coordenados, interdependentes entre si, e sujeitos ao preenchimento de requisitos formais próprios e assim devem ser fiscalizados a fim de que cumpram sua função no processo, sobretudo no devido processo legal constitucional.
Fato é que estamos vivenciando uma revolução tecnológica em todos os aspectos, sobretudo na função jurisdicional estatal, e os preceitos do Estado Democrático de Direito não devem ser negligenciados. Os desafios são inegáveis e deve-se enfrentá-los com o devido processo legal constitucional.
Tomando-se o processo como um espaço democrático, cognitivo e argumentativo, que tem como objetivo se obter do Estado um pronunciamento decisório que contenha a solução jurídica adequada ao caso concreto1, deve ser prospectado por meio da garantia fundamental de uma estrutura normativa metodológica (devido processo legal), a fim de que os pronunciamentos estatais sejam construídos com os argumentos desenvolvidos em contraditório por aqueles que suportarão seus efeitos, em torno das questões de fato e de direito sobre as quais controvertem no processo.2
Audiência (do latim audientia), em sentido lato, é toda sessão processual (ato complexo) do qual participam as partes em razão de convocação feita pelo juiz, para que compareçam à sede do juízo, com a finalidade de, nela, serem praticados atos processuais.3 A audiência é atividade preparatória do provimento e, como tal, deve ser regulada por uma estrutura normativa, composta de uma sequência de normas, de atos e de posições subjetivas, que se desenvolvem em uma dinâmica bastante específica, na preparação de um provimento.
Assim, para que a sentença possa ser considerada válida e eficaz, deverá ser precedida da regular e legítima atividade preparatória4 , conforme determina o ordenamento jurídico.5 Assim, audiência é ato processual complexo, integrado por uma sucessão de atos coordenados, interdependentes entre si, e sujeitos ao preenchimento de requisitos formais próprios.6 Em suma, as audiências podem ser de conciliação (art. 334, art. 695), instrução e julgamento (art. 358), de saneamento e organização do processo (art. 337,§ 3º) e de justificação prévia (art. 562, 677,§1º, 703,§1º).
Até em razão de seu objeto (colheita da prova oral e oitiva das partes e de seus procuradores, esclarecimentos por parte dos peritos e assistentes técnicos), as audiências de instrução e julgamento recebem destaque e, no procedimento oral, são consideradas o ponto alto, já que concentram os atos culminantes da disputa judicial. É, ainda, na audiência de instrução e julgamento que o juiz entra em contato direto com as provas, ouve os argumentos debatidos pelas partes e profere a sentença pondo termo ao litígio. Por meio dela, colocam-se em prática os princípios da oralidade e da concentração do processo moderno.7 Ademais, a audiência de instrução e julgamento só será necessária quando houver necessidade de produção de prova oral.8
Já nas audiências virtuais, ao contrário das audiências tradicionais, ocorridas presencialmente, há um recurso tecnológico a mais à disposição, qual seja, a gravação das sessões de audiência e de julgamento. Mas, a questão que surge é: tem havido uma estabilização discursiva nas audiências virtuais, apesar da existência das gravações? As partes têm tido seus direitos e garantias fundamentais preservados em tais procedimentos virtuais?
Desde o início da pandemia da Covid-19 no Brasil a utilização das chamadas audiências virtuais teve um aumento significativo, impulsionado pelas circunstâncias das medidas de isolamento social, a partir de março de 2020. Inicialmente, as audiências tradicionais e os atos processuais foram suspensos, aguardando-se o retorno das atividades presenciais para nova designação destes atos. Posteriormente, com a continuidade da quarentena, os prazos voltaram a fluir e muitos tribunais, uns apenas com a concordância das partes e em caso de risco de perecimento do direito e, ainda outros, sem se atentar para a manifestação das partes e sem a verificação de urgência, decidiram adotar as audiências virtuais.
Mas a prática de atos processuais por meio eletrônico no Brasil não é novidade, e sua previsão normativa intensificou-se a partir de 2006, com a entrada em vigor da lei 11.419/2006, mantida pelo CPC vigente. Aliás, o CPC poderia ter ido além, deixando de regular o processo em papel e suas práticas e costumes tão enraizados na cultura e na prática do foro.9 Fato é que, com a chegada da pandemia, essa indiferença tecnológica do CPC/2015 foi realçada, sendo necessária intervenção do CNJ, que editou as Resoluções n. 314/2020 e n. 354/2020, com o objetivo de elevar a eficiência administrativa e operacional do Poder Judiciário e alcançar maior efetividade com a menor duração dos trâmites processuais.10 Assim como já vinha ocorrendo com as reformas legislativas que deram origem ao CPC/2015, a celeridade e a eficiência têm pautado as iniciativas no que tange às audiências virtuais. Contudo, em algumas situações, a busca incansável por celeridade e eficiência tem suprimido os preceitos do devido processo legal constitucional. Isso porque têm ocorrido situações no âmbito procedimental das audiências virtuais11 que violam a oralidade12, a ampla defesa, o contraditório e a isonomia. Tais situações de violação manifestam-se como: ausência de publicidade, dificuldade de manutenção de incomunicabilidade no depoimento pessoal, dificuldade de identificação de testemunhas, dificuldade na intimação, incomunicabilidade e inquirição de testemunhas, valoração das provas orais pelo magistrado e instabilidade de tráfego de dados de internet,13 em patente violação ao disposto no texto do art. 194 do CPC/2015. Ressalta-se, ainda, a ocorrência de outros obstáculos técnicos na participação em audiências virtuais, como por exemplo, um certo delay, ou atraso na entrega do conteúdo audiovisual, sobretudo na colheita de prova oral, já que a imagem não acompanha a fala, prejudicando o andamento da audiência e o raciocínio dos presentes, no momento de formular e responder perguntas.14
Considerações Finais
É o devido processo legal que deve orientar o procedimento das audiências, para que se possa, de fato, concretizar os direitos e garantias fundamentais, dentro de uma estrutura técnica normativa em contraditório, permitindo a cognição dos fatos narrados ou enunciados pelas partes e a valoração das provas por elas apresentadas na comprovação de suas narrativas, visando a obter um pronunciamento estatal decisório favorável às suas pretensões.15
Por isso, toda e qualquer audiência, assim como os atos processuais, devem ser realizados sob o manto do devido processo legal constitucional, a fim de que nenhum direito ou garantia fundamental possam ser violados.
*Fernanda Gomes e Souza Borges é doutora e mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/Minas). Docente adjunta de Direito Processual Civil da Universidade Federal de Lavras - MG (UFLA). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Processo Constitucional (GEPPROC/UFLA), cadastrado no CNPq. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC). Membro da Comissão Processo Civil da OAB/MG. Perfil no Instagram: @fernandagomes_borges.
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1 BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Noções de teoria e técnica do procedimento da prova. In: Técnica processual. BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias; SOARES, Carlos Henrique (Coords.). Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 185.
2 BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo constitucional e Estado Democrático de Direito. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018. p. 171.
3 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória). 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.v. 2. p. 401.
4 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. p. 87-88.
5 BORGES, Fernanda Gomes e Souza; ALVES, Lucélia de Sena. As audiências de instrução e julgamento por videoconferência e o devido processo constitucional: uma análise empírica. In: 4 anos de vigência do Código de Processo Civil de 2015. Belo Horizonte: D'Plácido, 2020. p. 12-13.
6 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória, v. 2, 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 33.
7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, v. 1, 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 445.
8 SCARPINELLA BUENO, Cássio. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2018. p. 402.
9 SCARPINELLA BUENO, Cássio. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2018. p. 241.
10 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ detalha regras para realização de sessões e audiências em meio digital. 13 de janeiro de 2021. Disponível aqui. Acesso em 25. Jun. 2021.
11 Pelo que recomenda-se a leitura de: BORGES, Fernanda Gomes e Souza; ALVES, Lucélia de Sena. As audiências de instrução e julgamento por videoconferência e o devido processo constitucional: uma análise empírica. In: 4 anos de vigência do CPC/2015. Belo Horizonte: D'Plácido, 2020. p. 11-26.
12 Ressalte-se que atualmente já se discute da utilização de tecnologia para concretizar o princípio da oralidade por códigos, como é o caso do chamado QR Code, acerca do qual recomenda-se a leitura de: IWAKURA, Cristiane Rodrigues; GUEIROS, Pedro; BECKER, Daniel. Código QR: a transformação digital do princípio da oralidade. Jota. 08. Mai. 2021. Acesso em: 10. Jun.2021.
13 ALVES, Lucélia de Sena; SOARES, Carlos Henrique. Audiências telepresenciais na justiça cível e sua compatibilidade com o devido processo constitucional. Disponível aqui. Acesso em: 14. Jun. 2021.
14 SOUZA, Bernardo de Azevedo e. Advogados enfrentam problemas técnicos em audiências virtuais. 11. Jun. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 1º. Jul. 2021.
15 BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Noções de teoria e técnica do procedimento da prova. In: Técnica processual. BRÊTAS, Ronaldo de carvalho Dias; SOARES, Carlos Henrique (Coords.). Belo Horizonte: Del Rey, 2015. p. 203.
Já se foi a fase de descoberta do Visual Law. Chega-se à tão esperada fase de propagação do uso desta técnica que vem rendendo, desde já, diversas discussões acaloradas no meio jurídico.
O surgimento de "algo novo" desperta nos seres humanos dois tipos de comportamentos esperados em posições diametralmente opostas: alguns se encantam e querem conhecer mais; outros, em um rápido olhar, se sentem incomodados com a presença daquela novidade e se fecham em seu tradicional mundo.
Aqui se fala especificamente na adoção da técnica Visual Law, mas a afirmação em questão reflete uma realidade que se conecta a diversas outras práticas que almejam trazer uma inovação sobre padrões preestabelecidos.
Portanto, leitor, antes de avançar na avaliação do Visual Law como um eventual modismo, deve-se ter a compreensão de que a inovação é passageira em sua essência.
A inovação que se consolida, deixa de sê-la.
Como dizia Carlos Drummond de Andrade, a maior ambição do inovador é que sua inovação se torne tradicional.
A inovação por si só, naturalmente, será alvo de críticas. Até porque, nas palavras de Nolan Bushnelll, "se você contar sua ideia para 10 pessoas e 9 delas disserem que você está maluco, provavelmente você está fazendo algo inovador!".
Dizer que algo novo é moda, equivale a dizer que aquela inovação não irá se perpetuar no tempo. Portanto, para que se afirme a técnica do Visual Law como um modismo, deve-se avaliar empiricamente se realmente a sua utilização não terá a capacidade de ser incorporada em caráter definitivo nas rotinas dos operadores do direito. Vejamos.
Em primeiro lugar, o Visual Law não foi algo descoberto na atualidade. Há muito tempo esta técnica vem sendo empregada sem qualquer tipo de rotulação.
Isto se deve ao fato de o Visual Law ser uma das vertentes do Legal Design, cujo objetivo é, precipuamente, simplificar e clarificar a comunicação, tornando a troca de informações muito mais objetiva e eficiente.
Deste modo, se um advogado prefere fazer uma petição com poucas laudas, utilizando termos de compreensão universal, dando ênfase aos pontos controvertidos e, eventualmente, utilizando alguns recursos visuais para melhorar a compreensão do destinatário sobre algo - ele está sim, utilizando as técnicas de Visual Law.
O emprego da técnica do Visual Law, como muitos erroneamente pensam, traria um necessário abandono da forma tradicional mediante o uso indiscriminado de diferentes estruturas, formas, fontes e cores exuberantes em todas as manifestações jurídicas.
Outro equívoco comum em relação ao Visual Law é pensar que o seu emprego consiste em uma simplificação excessiva acerca do teor das manifestações jurídicas, fazendo "gráficos e setinhas num programa de computador".
Esta compreensão reduzida e equivocada do Visual Law pode ser atribuída a três fatores: 1) pouco aprofundamento sobre a técnica, seus conceitos e fundamentos; 2) conhecimento restrito sobre modelos de manifestações jurídicas com um inadequado uso da técnica do Visual Law: peças "carnavalescas", mal estruturadas, desarmônicas, e/ou com o uso excessivo de recursos visuais; 3) crenças limitantes que geram uma forte barreira cultural em relação à introdução das novas tecnologias.
Isto explica a resistência de alguns magistrados à técnica do Visual Law, ainda mais aqueles que ainda não tenham vivenciado alguma experiência positiva com a sua utilização. Em compensação, mesmo nos moldes tradicionais, há registro por parte de membros do Poder Judiciário acerca de diversos problemas encontrados nas manifestações jurídicas: argumentação excessiva, redação prolixa, número excessivo de páginas, transcrição excessiva de jurisprudência, má formação da peça e uso excessivo de destaque no texto.
Há que se contextualizar devidamente os diversos posicionamentos encontrados a respeito do Visual Law. Isto vai variar de acordo com a experiência de cada usuário, o nível de compreensão e de conhecimento da técnica do Visual Law, e principalmente as suas habilidades e necessidades dentro de um sistema jurídico.
Pode ser que um operador do direito que lide com demandas excessivas e padronizadas tenha maior inclinação para o uso das técnicas do Visual Law do que um operador que lide com um número bem reduzido de causas jurídicas, e que tenha uma atuação maior em ambientes nos quais ainda predomine a cultura da liturgia e da formalidade.
Logo, qualquer generalização acerca do Visual Law é indevida. E para o seu uso, é preciso ter cuidado, pois nem sempre os recursos visuais serão necessários e adequados, devendo em certas situações manter a forma tradicional.
Tal constatação ressalta a importância de se intensificarem as iniciativas voltadas para a capacitação de profissionais na área de Visual Law, antes que se chegue a qualquer conclusão peremptória acerca da sua vida útil.
Muitas peças neste exato momento, não serão ideais, ou seja, não conseguirão captar em sua integralidade uma aplicação precisa de todas as técnicas do Visual Law.
Por isso mesmo, convenciona-se por intermédio do Design Thinking que a técnica seja constantemente avaliada e revista, até que se chegue a um resultado satisfatório, trazendo consigo uma "estratégia de comunicação que insere o usuário no trâmite processual em que ele figurará como parte, promovendo o seu empoderamento". Toda inovação passa por esta fase de teste e de aprimoramento, há que se ter resiliência e paciência, pois certamente ao final, será obtido algum ganho em termos de qualidade e eficiência.
Contudo, fulminar uma técnica pelo seu mau emprego definitivamente não é o melhor caminho. O próprio tempo irá demonstrar como os usuários se comportarão acerca da utilização desta técnica. E, diante de melhores resultados a partir do uso do Visual Law nas manifestações jurídicas, naturalmente, por questões de concorrência e de sobrevivência, haverá um nivelamento da atuação jurídica - no sentido de consolidá-lo, ou repeli-lo do mundo jurídico.
Fato é que o design já está presente e consolidado no mundo jurídico. O desenho das plataformas e dos sistemas operacionais refletem o uso de diversos princípios do Visual Law. A ideia da arquitetura de escolha com foco no usuário está intrinsecamente relacionada à prestação de qualquer serviço público essencial, veja-se neste sentido o rol de diretrizes previsto no art. 3º da lei 14.129/2021 - a Lei de Governo Digital.
Logo, o melhor que se deve fazer neste momento, é "dar uma chance ao Visual Law", pois os estudos em torno do emprego desta técnica demonstram que efetivamente há um expressivo ganho na melhoria da comunicação, na eliminação de ruídos no processo decisório dos magistrados, e em um substancial aumento da acessibilidade às informações veiculadas no processo judicial.
Importante neste ensejo comentar brevemente despacho judicial que circulou nas redes sociais, proferida pelo juízo da 9ª Vara Cível de Goiânia. No caso em questão, o magistrado se valeu do comando do art. 321 do CPC para que a parte autora emendasse a inicial, fazendo constar de forma clara, os fatos e suas pretensões, utilizando preferencialmente a formatação exigida pelas normas da ABNT, uma vez que a exordial teria ficado muito carregada e de difícil leitura e compreensão.
Observando-se a petição inicial em questão, nota-se que ali se pretendeu utilizar a técnica do Visual Law, dando-lhe uma feição completamente diferente do padrão visual tradicional.
Destaque-se inicialmente que não existe em qualquer norma processual previsão expressa para que se exija o respeito às normas da ABNT, assim como não há qualquer norma processual que desautorize o uso da técnica do Visual Law. Há inclusive, um movimento do Poder Judiciário para a regulamentação do Visual Law, como forma de incentivo para a propagação desta técnica.
No plano formal, os requisitos da petição inicial estão expressamente enunciados no CPC, por intermédio dos arts. 319 a 321, além de outras exigências, a depender do procedimento, como nos casos de incidência dos arts. 303 e 305. As causas de indeferimento da petição inicial estão expressamente previstas no art. 330 do CPC, quais sejam: a inépcia, assim compreendida, nos termos do §1º, como a ausência de pedido ou de causa de pedir; a indeterminação do pedido, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; a não correspondência dos fatos à conclusão, e, por fim, a previsão de pedidos incompatíveis entre si.
Nos termos do art. 321 do CPC, o juiz, verificando a ausência dos requisitos da petição inicial, determinará ao autor que faça a emenda, no prazo de 15 dias, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
A manifestação judicial em apreço reflete a resposta do magistrado, como usuário e destinatário da informação com o emprego do Visual Law, e serve como um grande alerta para todos que desejam utilizar a técnica em suas peças jurídicas.
O Legal Design deve sempre ter como foco o usuário. Neste ensejo, ao se empregar o Visual Law, deve-se ter o maior cuidado com os padrões escolhidos fazendo-se uma análise preditiva sobre a potencial resposta do usuário, pois a ideia é facilitar a comunicação, e não o contrário.
A inadequada utilização dos recursos visuais, pode realmente dificultar a legibilidade do documento e a compreensão da narrativa. O excesso de cores e destaques acaba ocasionando uma poluição visual, e isto pode dificultar seriamente a identificação dos pontos controvertidos.
Por esta razão, a técnica do Visual Law é algo que precisa ser constantemente objeto de estudo e experimentação. Existem diversos princípios de hierarquia linguística e visual que precisam ser observados. Até para o emprego das cores, há uma teoria que explica exatamente como harmonizá-las, evitando-se com isto um incômodo sensorial para o destinatário da informação.
Não é algo tão simples como parece ser. Uma segunda opinião sobre os modelos de peças com o uso de Visual Law é sempre bem-vinda. Havendo possibilidade, a formação de uma equipe multidisciplinar composta por designers, juristas e outros especialistas favorece a obtenção de manifestações jurídicas visualmente agradáveis, e ao mesmo tempo funcionais.
Por todo o exposto, resta evidente que as críticas em torno do Visual Law são bem-vindas, desde que construtivas. A resposta do usuário é elemento essencial para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Visual Law. Mas isto não pode servir como uma barreira ou um desincentivo para o avanço desta técnica, pelo contrário. Tudo faz parte de um processo dialógico.
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A Constituição Federal de 1988 prevê que todos são iguais perante a lei e referido tratamento isonômico deve existir entre homens e mulheres. Mas será que essa igualdade está refletida na nossa realidade social?
Não há como negar diferenças biológicas e situações que afetam mais as mulheres do que os homens, como a gestação e a amamentação. Mas há de se considerar a existência de uma construção cultural que gera disparidade de gênero na prática, como o cuidado com familiares, especialmente dos filhos, e o trabalho doméstico, que são exercidos de forma majoritária pelas mulheres. Deve-se ter em conta a enorme diferença salarial e do nível de hierarquia dentro dos cargos profissionais, entre outros. Assim, para se chegar em uma igualdade substancial é preciso pensar em questões pontuais de gênero, visando uma efetiva transformação sociocultural.
No final da década de setenta, foi criado o conceito de gênero pelo movimento feminista - por meio da produção acadêmica das mulheres daquela época - e, desde então, o termo tem sofrido diversas interpretações, porém mais usualmente relacionadas ao conceito de gênero que tem como base o "feminismo das diferenças", conforme destaca Marta Ferreira Santos Farah1. De acordo com tal concepção de gênero2, as distinções entre homens e mulheres são acentuadas, estabelecendo-se polaridades.
Se historicamente é consabido que essas distinções acabam por ensejar uma disparidade de tratamento entre homens e mulheres nos mais diversos ambientes, que ainda subsiste nos dias atuais, maior esforço se requer para a implementação de transformações em prol da igualdade. É necessário romper tradições, mitos e mentalidades conservadoras.
A participação das mulheres na área jurídica, por exemplo, ainda é pautada pela desigualdade material. Myrthes Gomes de Campos foi a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil. Concluiu o bacharelado em direito em 1898, mas só em 1906 conseguiu ser aceita na instituição de classe3. A primeira magistrada, Thereza Grisólia Tang, tomou posse em Santa Catarina em 1954. No STF, a Ministra Ellen Gracie assumiu a presidência do STF de 2006 a 20084 e além dela, as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber também representam o gênero feminino no Supremo. A ministra Laurita Vaz foi a primeira mulher à frente da presidência do STJ e dirigiu a referida Corte durante o biênio 2016 a 20185.
Apesar de as mulheres constituírem a maior parcela da população brasileira, tal fato não se reflete nos cargos mais altos em cada um dos Poderes da República. No Executivo, a proporção é de uma única Presidente mulher para 37 Presidentes homens e nunca houve uma vice-presidente mulher. Dentre os Ministros de Estado, a proporção é de 1.025 homens para 40 mulheres. No Poder Legislativo, até 2016, sequer havia banheiros femininos nas respectivas Casas e nunca houve uma mulher na presidência da Câmara ou do Senado Federal. No Poder Judiciário, entre os ministros, no STF, a proporção é de 3 mulheres para 166 homens - historicamente. No STJ, há 91,84% de homens e 8,16% de mulheres. A situação é similar nos demais tribunais superiores: 91,21% de homens e 8,79% de mulheres no TSE; 90,24% de homens e 9,76% de mulheres no TST e, por fim, 97,73% de homens e 2,27% de mulheres no STM. A maior porcentagem de mulheres como Ministras dos Tribunais Superiores verifica-se no TST - que, ressalte-se, atualmente é Presidido pela Ministra Maria Cristina Peduzzi -, mas, ainda assim, com irrelevante proporção. O Censo do Poder Judiciário divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2014 mostrou que apenas 35,9% dos membros da magistratura são mulheres6.
Fato é que essa desproporção e essa desigualdade de gênero na cúpula dos três Poderes acabam dificultando a inserção na ordem do dia de pautas relevantes aos direitos das mulheres, tais como a violência doméstica, a equiparação salarial, os tratamentos reprodutivos, incentivos de ordem tributária, o incremento de número e qualidade de creches, o respeito à amamentação em local público, entre outros7. A paridade institucional, portanto, é fundamental para que se dê visibilidade aos assuntos de interesse direto das mulheres, mas que, em seu âmago, dizem respeito à sociedade em que se pretende viver.
Algo está sendo feito?
Em 2015, foi pactuada a agenda 2030 da Organização das Nações Unidas e, dentre os seus objetivos, está a promoção da igualdade de gênero, mais especificamente no item 5 - "Igualdade de Gênero"8; em 2020, a OAB instituiu cota de participação mínima de 30% de mulheres em eventos organizados pelo Conselho Federal9. A partir de 2021, as eleições da OAB devem contar com 50% de mulheres nas respectivas chapas10. Apesar desses esforços da OAB, vale registrar que em abril de 2021 as advogadas superaram em número absolutos os advogados, mas ainda não conseguiram a igualdade nos cargos mais altos dentro das empresas e instituições, por exemplo.
Nesse cenário, acredita-se que os movimentos feministas, através de mobilizações, têm contribuído para a garantia de alguns direitos e para uma sensível melhoria na igualdade de gênero.
No que concerne ao direito processual, mais precisamente no ambiente acadêmico, a desigualdade de gênero sempre foi perceptível, tanto no que diz respeito ao maior quantitativo de professores em relação ao de professoras integrantes das carreiras nas instituições públicas e privadas, quanto no que se refere às publicações e às participações em eventos, nos quais a representação feminina era mínima ou inexistente - não se fala de um passado remoto, mas de situações contemporâneas.
Nos últimos anos, no entanto, essa realidade tem sido paulatinamente modificada. O incremento da participação feminina nos eventos e publicações relativos ao direito processual é evidente. E muito disso se deve, sem dúvidas, ao trabalho desempenhado por diversos coletivos femininos, que têm, entre seus objetivos, o escopo de promover a igualdade de gênero no ambiente acadêmico do direito processual. Daí a relevância e o orgulho em dizer que o "Elas no Processo" tem cumprido um significativo papel nessa caminhada.
O "Elas no Processo" tratava-se, no início, de um grupo de WhatsApp, criado no dia 29 de abril de 2015 com a finalidade de congregar mulheres que participariam, então, do V Fórum Permanente de Processualistas Civis - Vitória/ES.
Rapidamente, esse grupo - que passou a ter como principal objetivo o fomento à participação feminina nos eventos e nas publicações científicas - transformou-se em um ambiente de parcerias acadêmicas, divulgação de trabalhos recíprocos, promoção de debates jurídicos atuais através de lives, diálogo e muita sororidade.
Em 16 de agosto de 2016, o primeiro projeto do grupo saiu do papel: foi lançada a obra "Temas Relevantes de Direito Processual Civil: Elas Escrevem", coordenado por Renata Cortez, Rosalina Freitas e Sabrina Dourado e escrito por vinte e quatro processualistas de todo o Brasil. A obra foi publicada pela Editora Armador, posteriormente adquirida pela Editora Juspodivm. Sem dúvidas, essa foi uma obra pioneira, visto que escrita exclusivamente por mulheres processualistas.
De lá para cá, o grupo cresceu e amadureceu: foi criada, em maio de 2020, a marca "Elas no Processo"; foram também criados um canal no youtube e um perfil no Instagram. O coletivo realizou e apoiou diversos eventos acadêmicos, muitas vezes em parceria com outros coletivos, como o "Elas Pedem Vista", o "Instituto de Juristas Brasileiras", o "Mulheres no Processo" do Instituto Brasileiro de Direito Processual, o "Processualistas", o "Abayomi Juristas Negras", o "Advogadas do Brasil", o "LiderA" e o "Elas Discutem".
As integrantes do "Elas no Processo" interagem diariamente através do grupo do WhatsApp, que conta hoje com 140 participantes de todas as regiões do País. Existe uma especial atenção em publicar e realizar eventos em parceria umas com as outras; citar umas às outras; tirar dúvidas entre si; além de um efetivo compartilhamento de dores e amores.
Em agosto de 2021, cinco integrantes do "Elas no Processo" - que também assinam esta coluna -, lançaram a obra coletiva "Acesso à Justiça: um novo olhar a partir do Código de Processo Civil de 2015", pela Editora Thoth: Benigna Teixeira, Fernanda Gomes, Flávia Hill, Flávia Ribeiro e Renata Cortez. O livro conta com artigos escritos por homens e mulheres e duas delas foram vencedoras de um concurso realizado entre as integrantes do "Elas no Processo": Cecília Hildebrand e Paula Ferreira Bovo. A obra conta com o prefácio do ilustre professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro.
O coletivo "Elas no Processo" manteve por aproximadamente um ano uma parceria com o Professor Gilberto Bruschi - a quem se expressa o agradecimento - para a publicação de artigos escritos pelas integrantes do "Elas no Processo" em sua coluna eletrônica: "O Novo Processo Civil Brasileiro". Foram 35 textos publicados!
Chegou a hora, no entanto, do voo solo. A coluna do "Elas no Processo" está no Migalhas! O coletivo publicará quinzenalmente, a partir de hoje, reflexões das integrantes e de convidadas (os) sobre o direito processual.
Compõem o Conselho Editorial da coluna as processualistas Cristiane Rodrigues Iwakura, Fernanda Gomes e Souza Borges, Flávia Pereira Hill, Flávia Pereira Ribeiro e Renata Cortez Vieira Peixoto. Para garantir a máxima qualidade técnica dos artigos, foi criada uma Comissão Revisora, formada pelas processualistas América Nejaim, Benigna Teixeira, Cecília Hildebrand, Gisele Welsch e Lucélia Sena.
O "Elas no Processo" agradece imensamente à Diretoria do Migalhas pelo pronto acolhimento e pela confiança, sendo certo que também o maior e o mais importante veículo jurídico, em formato de portal eletrônico, está contribuindo imensamente para a igualdade de gênero.
Trata-se, portanto, de uma coluna inclusiva por excelência, que almeja divulgar conhecimento jurídico de qualidade na área do direito processual para além de rótulos ou divisões artificiais, que não condizem com o ambiente científico nem com a sociedade que almejamos para já.
Aos leitores e leitoras que comungam esses mesmos ideais e acreditam no avanço do direito processual por obra e com a contribuição de todos e, especialmente, de todas, sejam muito bem-vindos!
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1 FARAH, Marta Ferreira Santos. Gênero e Políticas Públicas. Estudos Feministas, Florianópolis, 12(1): 360, janeiro-abril/2004, p. 48.
2 SCOTT, Joan. "Gênero é a organização social da diferença sexual. O que não significa que gênero reflita ou implemente diferenças físicas fixas e naturais entre homens e mulheres, mas sim que gênero é o saber que estabelece significados para as diferenças corporais. Esses significados variam de acordo com as culturas, os grupos sociais e no tempo, já que nada no corpo [...] determina univocamente como a divisão social será estabelecida". Disponível aqui. Acesso em: 08 out. 2021.
3 HIGÍDIO, José. Primeira advogada brasileira, Myrthes superou obstáculos para trabalhar. Conjur, 8 mar. 2021.
4 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Veredicto. Boletim informativo. 40 ed., 28 jan. 2009. Disponível aqui. Acesso em: 07 out. 2021.
5 MULHERES no Direito e igualdade de gênero são tema de debate. Migalhas, 21 nov. 2017. Disponível aqui. Acesso em 06 out. 2021.
6 VENTURINI, Anna Carolina; FERES JUNIOR, João. A Desigualdade de Gênero na Justiça Brasileira. GEMAA. 2015. Disponível aqui. Acesso em 07 out. 2021.
7 Vale destacar aqui importantes iniciativas legislativa em tramitação: 1) PL 1740/2021, 3414/2019, e 1741/2021: a dedução de percentuais do imposto de renda às empresas que contratarem, respectivamente, vítimas de violência doméstica financeiramente dependentes e mulheres chefes de família de baixa renda; 2) PL 5548/2019: a reserva de vagas em empresas terceirizadas para mulheres vítimas de violência ou em situação de vulnerabilidade social; 3) PL 128/2021: Zera as alíquotas de PIS e Cofins sobre absorventes menstruais. Registre-se que também existem iniciativas no sentido de se propor a inclusão destes produtos na cesta básica. Disponível aqui. Acesso em: 08 out. 2021. Ainda a respeito da pobreza menstrual, termo adotado pela Unicef para se referir à situação vivenciada por meninas e mulheres devido à falta de acesso a recursos para que cuidem de seu ciclo menstrual, observa-se que no início do mês de outubro, o Poder Executivo Federal sancionou a Lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual - lei 14.214/2021, mas vetou os pontos do projeto de origem (PL 4868/2019) que contemplavam a oferta gratuita de absorventes com fundamentação de ordem técnica, qual seja, a ausência de indicação para a fonte de custeio ou medida compensatória, em violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, à Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano, e à Lei Complementar 173/2020. Neste momento, os vetos seguem para análise pelo Congresso Nacional, podendo ser mantidos ou derrubados. Disponível aqui. Acesso em: 08 out. 2021.
8 ONU. Planeta 50-50 em 2030. Disponível aqui. Acesso em 07 out. 2021.
9 Proposição n. 49.0000.2019.013134-1 do Conselho Pleno. Disponível aqui. Acesso em: 07 out. 2021.
10 OAB aprova paridade de gênero e cotas raciais para as próximas eleições da classe. Disponível aqui. Acesso em: 07 out. 2021.
O Código de Processo Civil de 2015 sofreu alterações recentes em razão da Lei nº 14.195/2021 e algumas delas refletem na comunicação dos atos processuais. Busca-se, neste momento, trazer algumas impressões iniciais e promover o debate acerca de tais mudanças.
É importante registrar que as modificações processuais foram objeto de emenda em projeto de conversão de Medida Provisória em Lei. Dessa forma, ao contrário de alguns comentários que têm circulado nesses primeiros dias de vigência da lei, não se pode dizer que houve inconstitucionalidade em razão de medida provisória não poder abordar temas de processo civil, pois a medida convertida não tratava de processo originariamente. Porém, não se pode também afirmar que o processo legislativo foi adequado, pois as modificações no processo civil decorrentes de uma emenda parlamentar em projeto de lei extraordinário prejudicam o debate e surpreendem a comunidade jurídica, o que se denomina doutrinariamente de Jabuti[i]. O STF, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.127, já decidiu que tal prática é inconstitucional[ii].
Em que pese esse ponto que pode prejudicar a aplicação da lei no futuro, por ora ela está vigente e deve ser aplicada. Passa-se, então, a analisar os impactos com relação à comunicação dos atos processuais.
No artigo 238 foi acrescentado um parágrafo único para estipular prazo para a efetivação da citação. De acordo com essa alteração, a citação será efetivada em até 45 (quarenta e cinco) dias a partir da propositura da ação. A alteração é positiva e prestigia os princípios da celeridade e da duração razoável do processo. Todavia, por se tratar de prazo impróprio, talvez não traga tantos reflexos na prática forense.
As alterações mais profundas ocorreram no art. 246, que fazia previsão dos meios possíveis de citação e trazia a ordem de preferência.
A partir de agora, o meio preferencial para a citação é o eletrônico, que será realizado em até 2 (dois) dias úteis da decisão que a determinar, em endereço eletrônico apontado pelo réu, constante de banco de dados do Poder Judiciário. Esse banco de dados deve ser regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Pela redação legislativa, esse meio preferencial não atinge as pessoas físicas, apenas as jurídicas e mais, as jurídicas que tenham natureza de empresa. O parágrafo primeiro do art. 246 determina que as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações.
O meio eletrônico previsto nesta alteração legislativa refere-se ao e-mail e não se confunde com aquele trazido pela Lei 11.419/2006[iii], que continua vigente e possível de ser implementada.
Outro ponto que deve ser levantado é o fato da Lei não trazer nenhuma punição para as empresas que não se cadastrarem, algo que talvez torne o dispositivo letra morta. Porém, a regulamentação pelo CNJ pode trazer mais efetividade a esse dispositivo. Espera-se que o CNJ regulamente também como se dará esse cadastro, se numa plataforma única, ou se as pessoas jurídicas terão que se cadastrar em cada um dos 91 tribunais existentes no país.
Independente disso, as partes podem celebrar negócio jurídico processual, conforme previsão do art. 190 do CPC, e estipular que a citação se dará por endereço eletrônico, já o indicando no instrumento negocial. Nesse caso, ainda que a empresa não esteja cadastrada no Poder Judiciário, poderá ser citada por meio eletrônico.
Para reforçar a efetividade desse dispositivo, alterou-se também o art. 77, que trata dos deveres das partes e dos procuradores e de todos os que participam do processo. Acrescentou-se o inciso VII, que estipula o dever de informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário. Não há penalidade prevista para a infringência a esse dispositivo, apenas se presume como recebida a intimação ou citação encaminhada para o endereço constante neste cadastro. Assim, caso a empresa não o tenha mantido atualizado, poderá ser prejudicada ao ser considerada intimada ou citada por endereço eletrônico desatualizado[iv].
Além do cadastro, questiona-se se seria possível o autor indicar na inicial o endereço eletrônico do réu e requerer a citação por esse meio. A Lei não trata dessa possibilidade, mas, uma vez realizada a tentativa, havendo a confirmação pelo réu de que a citação foi recebida e ele apresentando defesa não há empecilho para que ela seja considerada válida. Todavia, não havendo a confirmação, ou ainda que ela aconteça sem a comparecimento futuro do réu ao processo, entende-se que o melhor seria utilizar um dos meios alternativos para citação.
Modificando o que se costuma ver em alterações legislativas, o acréscimo de parágrafos ao art. 246 do CPC foi realizado com acréscimo de letras à numeração, sendo assim, temos o § 1º-A, que traz as demais formas de citação para a ausência de confirmação do recebimento da citação eletrônica em até 3 (três) dias úteis. Ou seja, a citação por meio eletrônico depende da resposta da empresa; se ela não ocorrer no prazo legal, deve-se caminhar para os demais formatos de citação, que continuam a ser aqueles já existentes na redação original do código, nessa ordem: (i) pelo correio; (ii) por oficial de justiça, (iii) pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório; (iv) por edital.
Quando a citação ocorrer por esses outros meios, a empresa tem que justificar a não confirmação da citação eletrônica na primeira oportunidade que tiver para falar nos autos, sob pena de reconhecimento de prática de ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa (parágrafos 1-B e C).
Parece positiva a previsão de que, na comunicação eletrônica da citação, seja obrigatório colocar as orientações para realização da confirmação de recebimento e de código identificador, que permitirá a sua identificação na página eletrônica do órgão judicial citante. Isso porque não há no Brasil uma interoperabilidade entre os Tribunais e sistemas. Sendo assim, há diversas plataformas e seria complicado exigir das empresas o conhecimento de cada um dos sistemas de cada um dos tribunais estaduais e federais, em cada uma das suas esferas.
Cristiane Iwakura levanta outra vantagem: a proteção dos jurisdicionados contra a ação de fraudadores por meio de práticas como phishing e outros malwares[v].
Tendo em vista a previsão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), aplicável às microempresas e às pequenas empresas, deverá haver compartilhamento desse cadastro com os órgãos judiciais. Para essas empresas, o cadastro de endereço eletrônico, via Poder Judiciário, apenas será obrigatório quando não possuírem endereço eletrônico cadastrado no sistema integrado.
Murilo Avelino traz importante consideração acerca da interpretação desse parágrafo: “entendemos que o preceito se refere apenas à citação e não à intimação. É que uma vez citado e vindo aos autos do processo, a intimação será realizada regularmente, sem necessidade de comunicação via e-mail”[vi].
O prazo inicia-se no quinto dia útil seguinte à confirmação, na forma prevista na mensagem de citação, do recebimento da citação realizada por meio eletrônico, segundo o inciso V acrescentado ao art. 231. Tal previsão de prazo soa estranha à primeira vista já que, como regra, o réu é citado para a audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334 e, a princípio, não tem prazos a cumprir, pois o prazo para se manifestar pelo não interesse pela audiência conta-se de forma inversa, sendo de 10 dias antes da realização da audiência. Todavia, há situações em que tal audiência já não ocorrerá, sendo o réu citado para contestar. Em outras situações, com a citação, há, por exemplo, a intimação de tutela de urgência concedida. Nessas e em outras situações é importante ter fixado o início do prazo, daí a importância desse dispositivo.
Sobre esse prazo é importante consignar que ele deve contar da efetiva confirmação e não da juntada aos autos da confirmação.
Apesar da tentativa de facilitar a citação, talvez a escolha por um endereço eletrônico possa trazer algumas dificuldades práticas. Cristiane Iwakura faz uma análise crítica desses dispositivos e sugere como alternativa “a formação de um cadastro único de pessoas em todo o território nacional, com uma plataforma específica para o recebimento de comunicações do Poder Público, semelhante ao que se fez por meio da plataforma ‘gov.br’”[vii].
Nesse sentido, talvez seja possível aproveitar a plataforma criada pela Resolução 234 de 13/07/2016 do CNJ[viii], editada como regulamentação da Lei 11.419/2006, que, no segundo capítulo, trata da Plataforma de Comunicações Processuais do Poder Judiciário. Segundo a resolução, o cadastro é obrigatório para a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades da administração indireta, bem como as empresas públicas e privadas para efeitos de recebimento de citações, constituindo seu domicílio judicial eletrônico. Assim, a atual alteração legislativa apenas incluirá as Microempresas e as pequenas empresas, que eram expressamente dispensadas anteriormente. Mas não é algo totalmente novo, as citações por meio eletrônico já eram possíveis e possuem alguma regulamentação pelo CNJ.
Todavia, a redação da Lei 14.195 dá a entender que a citação seria preferencialmente por endereço eletrônico, ou seja, e-mail. Com isso, estamos com dois sistemas eletrônicos vigentes, de modo que a redação da lei estaria melhor se efetivamente já fizesse previsão de utilização da plataforma já existente.
Ao analisar os reflexos da Lei nº 14.195, de 2021 na Lei que dispõe sobre a informatização do processo judicial (Lei nº 11.419/2006), pode-se concluir que o prazo previsto no inciso IX do art. 231, só se aplicaria a pessoas jurídicas litigantes habituais ou conveniadas. Entretanto, o cadastro no sistema integrado da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), permitirá que esta determinação se aplique também às microempresas e às pequenas empresas. Uma vez que se elas não possuírem endereço eletrônico cadastrado no sistema Redesim, estarão também obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações.
Importante salientar que a Lei nº 11.419/2006, ao tratar de meios eletrônicos, refere-se a dois instrumentos distintos: a comunicação em Diário Oficial Eletrônico e a disponibilização da informação em portal específico, embora como visto anteriormente a própria lei definisse meio eletrônico como qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais, o que já permitiria encampar a correspondência eletrônica.
Neste ponto, pode-se questionar se esta leitura abrangente permite também entender que a Lei nº 14.195/2021 validaria a citação por WhatsApp[ix].
Neste aspecto, entende-se que, em casos específicos, sim. Exemplificando: a aplicação do WhatsApp para enviar intimações processuais é regulamentada, por exemplo, pelo TJPE, por meio da Instrução Normativa nº 10[x], desde março de 2019, quando os interessados preenchiam o termo de adesão no site institucional e enviavam o documento para um e-mail de cadastramento. A ideia era que todos os 42 Juizados Especiais passassem a usar a ferramenta.
Nesta Instrução Normativa, os interessados poderiam, a qualquer tempo, solicitar a adesão ao sistema, devendo preencher e assinar o termo de adesão, no qual as partes deveriam optar por um único meio de comunicação (WhatsApp ou e-mail). A adesão a este meio de intimação era voluntária e facultativa e, embora a instrução tratasse de autorização juntada ao processo a que se referisse, nada impediria que um sistema semelhante ao SISTCADPJ fosse também criado para esta adesão permanente.
A Presidência do Tribunal de Justiça de Pernambuco, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado e o Comitê Gestor do Processo Judicial eletrônico (PJe) regulamentaram o uso do aplicativo WhatsApp no âmbito da Justiça estadual. A medida está contida na Instrução Normativa Conjunta nº 01[xi], que disciplina a utilização do aplicativo de mensagens WhatsApp Business e WhatsApp Messenger, em conjunto com a ferramenta do WhatsApp Web.
Nesta Instrução Normativa Conjunta nº 01, o Tribunal disciplinava que a liberação do uso do aplicativo de mensagens WhatsAppBusiness se daria mediante requerimento, por meio de chamado à Secretaria de Tecnologia da Informação - SETIC, pelo responsável pela Unidade Judiciária e o número de telefone fixo cadastrado pela Unidade, no serviço WhatsApp Business, seria usado para fins de contato e comunicação de atos processuais com partes, Advogados, Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradorias, Unidades Prisionais, Delegacias, Unidades Socioeducativas, Funase, demais órgãos públicos e público externo, sem prejuízo do uso dos demais meios de comunicação oficiais disponíveis.
Analisando a utilização de aplicativos para citação no TJMG e no TJDF, Lucélia de Sena Alves e Benigna Teixeira concluem que não há vedação na lei para a citação pelo WhatsApp e que pode ser encarada como uma verdadeira inovação ao sistema de justiça, mas elas levantam a preocupação com os excluídos digitais e com a regulamentação para utilização[xii].
Cristiane Iwakura, sobre a possibilidade de citação pelo WhatsApp, entende que não é uma inovação que possa ser descartada, mas que é uma ferramenta de comunicação auxiliar, sem qualquer carga de obrigatoriedade e muito menos um instrumento oficial adotado pelo Poder Público[xiii].
No Paraná, o TJPR editou a Instrução Normativa nº 30/2020 – GCJ que regulamenta a citação por meio eletrônico, dando preferência a citação pelo meio eletrônico, inclusive com utilização do WhatsApp, salvo se a decisão dispuser expressamente de forma contrária[xiv].
As alterações, trazidas pela Lei nº 14.195/2021, têm o condão de tornar o processo mais célere desde seu início. Uma vez que prevê, no parágrafo único acrescido ao art. 238 do CPC, que a citação será efetivada em até 45 (quarenta e cinco) dias a partir da propositura da ação. Resta aguardar que esta determinação efetivamente se cumpra, ao contrário de tantas outras que são cotidianamente desrespeitadas.
Neste caso, as pessoas jurídicas, em verdade, terão o lapso entre o envio da comunicação, outrora feita pelos Correios, e a juntada do Aviso de Recebimento, termo inicial de contagem de seus prazos, consideravelmente reduzidos (uma vez que a citação por via postal, em tempos pandêmicos, poderia levar meses).
A alteração do Código de Processo Civil cria algumas situações incoerentes, que também deverão ser interpretadas de forma sistemática. Marcio Faria levanta uma questão interessantíssima, pois o art. 247 teve alteração no caput, mas não em seus incisos, que preveem as hipóteses em que a citação não ocorrerá pelo correio e por meio eletrônico. Com isso, eventual greve dos Correios poderia impedir a citação por meio eletrônico[xv]? Com essa alteração incompleta, a previsão do inciso IV continua prevendo que a citação não ocorrerá "quando o citando residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência". Ora, não tem lógica aplicar esse dispositivo às citações por meio eletrônico, já que elas não seriam atingidas por falta de entrega domiciliar de correspondência ou greve dos Correios.
É possível enxergar vantagens na nova legislação com relação à comunicação dos atos processuais. A citação por meio eletrônico pode ser uma forma de transformar digitalmente o processo.
Todavia, parece que a redação da Lei foi feita sem o devido apuro, sem amplo debate e sem se atentar a sistemas de citação eletrônicos já existentes. Talvez, com um Projeto de Lei criado para essa finalidade, com um processo legislativo regular, essas falhas pudessem não ter ocorrido. Os operadores terão muito a interpretar pela frente, já que há incoerências legislativas criadas pelos dispositivos.
A preferência pelo meio eletrônico nas citações reforça a possibilidade de utilização de aplicativos como WhatsApp na prática, destacando-se que, se as partes fizerem tal previsão em negócio jurídico processual, a utilização do aplicativo será possível.
A falta de interoperabilidade, da previsão de uma plataforma única e da não punição aos que não se cadastrarem pode trazer entraves à aplicação da lei. Mas, numa primeira análise, o saldo é positivo para alcançar o objetivo de transformar digitalmente as comunicações dos atos processuais, algo que, apesar de legislações anteriores e resoluções já terem tentado implementar, ainda andava a passos lentos.
Resta aguardar a regulamentação pelo CNJ para que se possa enxergar uma melhor forma de aplicar os novos dispositivos. Provavelmente uma nova alteração legislativa seja necessária, com prévio e amplo debate da comunidade de processualistas para que realmente a comunicação dos atos processuais possa ser célere e eficiente.
Notas e Referências
[i] “Jabuti não sobe em árvore. Se você encontrar um, pode saber que alguém o colocou lá”. Essa expressão é associada à rotineira prática legislativa brasileira de, durante os trâmites de conversão de uma Medida Provisória em Lei, buscar inserir matérias completamente estranhas àquela inicialmente tratada na respectiva MP (FERRAZ, Diogo. Um ‘jabuti’ inconstitucional: MP 898 e a tributação de fundos fechados e FIPS. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/um-jabuti-inconstitucional-mp-898-e-a-tributacao-de-fundos-fechados-e-fips-04042020. Acesso em 8 set. 2021.
[iii] Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei. (...) § 2º Para o disposto nesta Lei, considera-se: I - meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais;
[iv] Muito embora o TJRJ através de seu AVISO nº 43/2020 já previa que a ausência de cadastramento ou atualização cadastral no SISTCADPJ – Sistema de Cadastro de Pessoas Jurídicas, exceto para microempresas e das empresas de pequeno porte, impediria o peticionamento, tanto inicial ou quanto intercorrente no sistema eletrônico do Tribunal de Justiça. Conforme Aviso n. 53/2020, após o dia 01/07/2020, o sistema bloquearia a distribuição e o peticionamento das Empresas que não tiverem realizado o cadastro no SISTCADPJ, independentemente do usuário logado ter perfil de advogado.
AVISO nº 43/2020. Avisa aos representantes das pessoas jurídicas acerca da necessidade de cadastramento no SISTCADPJ – Sistema de Cadastro de Pessoas Jurídicas a fim de possibilitar a citação e a intimação eletrônica.
O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, DESEMBARGADOR CLAUDIO DE MELLO TAVARES, no uso de suas atribuições legais; (...)AVISA aos representantes das pessoas jurídicas ainda não cadastradas no SISTCADPJ – Sistema de Cadastro de Pessoas Jurídicas que deverão efetuar o aludido cadastramento, no prazo de 15(quinze) dias da publicação deste Aviso, salientando que, decorrido o prazo, as pessoas jurídicas, com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, para realizarem o peticionamento (seja inicial ou intercorrente) no sistema eletrônico do Tribunal de Justiça, deverão atualizar e/ou realizar o credenciamento prévio, nos termos do art. 2º da Lei nº. 11.419/06, que terá como dado obrigatório o cadastro no sistema SISTCADPJ, para efeito de recebimento de citações e intimações.
[vi] AVELINO, Murilo. IMPRESSÕES INICIAIS SOBRE AS ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM RAZÃO DA LEI N° 14.195/2021. Disponível em: https://www.academia.edu/s/ff2dd58fa6?source=link. Acesso em: 16 set. 2021.
[ix] O WhatsApp é um aplicativo de troca de mensagens e comunicação.
[x] Instrução Normativa nº 10. Disciplina o uso do aplicativo WhatsApp e e-mail, no âmbito dos Juizados Especiais do Poder Judiciário de Pernambuco, e estabelece instruções para o seu funcionamento. O PRESIDENTE EM EXERCÍCIO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO, no uso de suas atribuições legais e regimentais, (...) Art. 1º Instituir, no âmbito dos Juizados Especiais de todo o Estado de Pernambuco, Cíveis e Fazendários, a utilização do aplicativo de mensagens instantâneas “WhatsApp” ou e-mail para a finalidade de comunicação processual, notadamente nos casos de: I - cumprimento de despacho; II - mera ciência de despacho, decisão interlocutória ou sentença; III - manifestação acerca do depósito realizado pelo devedor; IV - levantamento de alvará; V - comparecimento em audiências de instrução e julgamento; VI - comparecimento em audiência de conciliação; VII - pagamento de custas processuais; VIII - cumprimento de sentença.
[xi] INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 01, DE 01 DE MARÇO DE 2021. Disciplina a utilização do aplicativo de mensagens WhatsApp no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Pernambuco.
Pretende-se com o presente trabalho tecer alguns breves apontamentos sobre algumas das novidades introduzidas pela Lei nº 14.195, publicada em 26 de agosto de 2021, nomeada por alguns como “Lei do Ambiente de Negócios”.
Trata-se de lei que traz inúmeras alterações sobre diversos diplomas legais em áreas completamente distintas, porém, interligadas por dois propósitos comuns: a desburocratização dos meios e a promoção da transformação digital.
Ao longo de todo este período de pandemia, grande parte dos atos normativos publicados voltaram-se para a regulamentação sobre a inserção das novas tecnologias nas rotinas de trabalho remoto ao lado da simplificação das relações, que constitui pressuposto básico para o aumento da eficiência, como forma de remediar as necessidades havidas em um cenário de urgência e de calamidade.
De 2019 para cá, restou mais do que evidente que a até então cultuada liturgia e o excesso de formalismo no meio jurídico demonstraram-se como empecilhos desnecessários num cenário de instabilidade e de restrições na vida cotidiana decorrentes da pandemia, que até hoje se perpetua na vida em sociedade [1].
Não se sabe ao certo quando haverá – e se de fato, haverá – um retorno das atividades presenciais sem qualquer restrição. Portanto, deve-se trabalhar com a realidade e a certeza existente, que no momento, reside na utilização de novas tecnologias e inovações que permitam o trabalho remoto, assim como outras facilidades que permitam a continuidade das atividades rotineiras ao longo de uma pandemia.
Do ponto de vista legislativo, percebe-se que várias das disposições normativas que surgiram em caráter emergencial e temporário estão aos poucos sendo acomodadas no ordenamento como de caráter permanente.
Trata-se de um fenômeno bastante interessante, que consiste na consolidação de normas jurídicas decorrentes de uma situação excepcional como normas estruturantes e quem sabe até que se consagrem como novas normas fundamentais.
A justificativa para esta mudança de perspectiva reside no fato de que se teria vislumbrado em uma norma jurídica de caráter temporário, uma utilidade que ultrapassou o mero atendimento de uma necessidade emergencial; os seus efeitos, na prática, demonstraram vantagens igualmente auferíveis em situações de normalidade.
Em outras palavras, é como se as normas emergenciais tivessem passado por um estágio probatório na pandemia, e assim apresentassem resultados surpreendentes, que as erigissem como potenciais normas perenes.
O momento da pandemia, assim como qualquer situação extrema, é uma grande oportunidade para inovar. Diante da ausência de soluções para lidar com novos problemas, abre-se um espaço para a criatividade e a ousadia. Até quem resista às inovações, em uma situação anormal de necessidade, demonstra-se mais suscetível de tentar algo diferente.
Esta experiência, por mais que seja arriscada, permite a observação de novos instrumentos e suas potencialidades. No meio disso tudo, surgem boas surpresas.
Assim retrata-se o espírito de inovação decorrente da pandemia. Com ele, nota-se uma avalanche de medidas legislativas orientadas para a regulamentação das novas tecnologias, inovações e outros mecanismos potencializadores da eficiência e da desburocratização. Este é o “pano de fundo” da Lei nº 14.195/2021, assim como é o da Lei nº 14.129 de 29 de março de 2021 (Lei do Governo Digital), da Lei Complementar nº 182/2021 de 1º de junho de 2021 (Marco Legal da Startups e do Empreendorismo Inovador), e de tantas e tantas Resoluções do Conselho Nacional de Justiça [2].
Neste contexto, a Lei nº 14.195/2021 traz em seus dispositivos, os seguintes pontos que merecem destaque: 1) Facilitação para abertura de empresas; 2) Proteção de acionistas minoritários, facilitação do comércio exterior, tradutor e intérprete público, e desburocratização empresarial; 3) Autorização para instituir, no âmbito do Poder Executivo Federal, sob a governança da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira); 4) Racionalização processual.
Passa-se, então, a discorrer brevemente sobre cada um deles, prezando-se a abordagem em torno da desburocratização e da transformação digital.
Facilitação para abertura de empresas
No capítulo II da Lei nº 14.195/2021 destaca-se a ampliação sobre a abrangência da plataforma tecnológica de integração da Redesim - Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios, regulada pela Lei 11.598/2007, fazendo-se constar expressamente os “produtos artesanais alimentícios, inclusive de origem animal ou vegetal, e as obras de construção civil, de empresários e de pessoas jurídicas”.
Vale destacar que a Redesim representa uma rede de sistemas informatizados necessários para o registro e a legalização de empresas e negócios, tanto no âmbito da União como dos Estados e Municípios, tendo como principal escopo permitir a padronização dos procedimentos, o aumento da transparência e a redução dos custos e dos prazos de abertura de empresas [3]. Trata-se, portanto, de mecanismo que se coaduna com a disposição prevista no art. 3º, e incisos, da Lei do Governo Digital, revelando-se mais um passo adiante, rumo à interoperabilidade de sistemas.
Interessante a disposição inserida no art. 4º na Lei 11.598/2007, na qual se reforça a necessidade de os órgãos e entidades envolvidos no processo de registro e de legalização de empresas manterem à disposição dos usuários, de forma gratuita e pela internet, ficha cadastral simplificada com os dados da empresa.
No art. 6º-A da referida lei, passa-se a mencionar a possibilidade de emissão automática de alvará de funcionamento e licenças sem análise humana, ou seja, exclusivamente por intermédio do sistema responsável pela integração dos órgãos e das entidades de registro. Aqui depreende-se mais uma autorização legislativa expressa para um mecanismo de automação funcionar de maneira independente e não supervisionada, o que representa um grande avanço em termos de transformação digital. Existem outros exemplos de emissão de certificados automatizados com a chancela do Poder Público, como é o caso da certidão de situação cadastral no Cadastro de Pessoas Físicas e Jurídicas [4] e certidão de quitação eleitoral [5].
Importante salientar que a automação para a emissão de certificados validados pelo Poder Público tem por objetivo facilitar o acesso e desburocratizar a obtenção destes documentos declaratórios, contudo, não afasta a possibilidade de os agentes públicos exercerem os seus poderes de fiscalização e não afastam a exigência de outras formalidades e requisitos que estejam sob a competência de outro órgão ou ente da federação, ou que estejam previstos em lei específica (art. 6º-A, §§ 4º e 6º, da Lei 11.598/2007).
Por fim, contempla-se a utilização de variados recursos tecnológicos como a assinatura eletrônica (art. 6º-A, § 5º, da Lei 11.598/2007), aplicativos de pesquisa on-line (art. 11, inciso II, da Lei 11.598/2007), serviços de pagamento on-line (art. 11, inciso VII, da Lei 11.598/2007) e digitalização de documentos físicos (art. 57, da Lei 11.598/2007).
Proteção de acionistas minoritários, facilitação do comércio exterior, tradutor e intérprete público, e desburocratização empresarial
No capítulo III da Lei nº 14.195/2021 as modificações legislativas objetivam promover um incremento sobre a proteção dos acionistas minoritários, girando em torno de questões relativas à atribuição do direito de voto plural em determinadas classes de ações, com as devidas restrições. Em termos de transformação digital, especificamente, destaca-se a redação do art. 100, § 3º, da Lei das SA, que autoriza a substituição de livros sociais físicos por registros mecanizados ou eletrônicos.
A facilitação do comércio exterior, por seu turno, é tratada no capítulo IV da Lei nº 14.195/2021 e se constitui por meio de medidas que viabilizam a utilização de soluções tecnológicas eficientes, desburocratizando a obtenção de licenças, autorizações e outras exigências administrativas para importações ou exportações.
Neste contexto, destaca-se a redação conferida ao art. 8º, que estabelece a solução de guichê único eletrônico [6] para o encaminhamento de solicitações à administração pública federal que se demonstrem necessárias para a importação e exportação de bens, assim como a possibilidade de transações financeiras eletrônicas para o recolhimento tributário correspondente.
Importante se faz a disposição prevista no art. 9º, segundo a qual é vedada a exigência por parte da Administração Pública Federal para que sejam preenchidos formulários em papel ou por outros meios distintos da solução de guichê único eletrônico.
A disponibilização de uma única plataforma de acesso a documentos e informações minimiza significativamente a ocorrência de encaminhamentos errôneos ou de providências que não atendam às condições e requisitos estabelecidos pelo Poder Público.
Neste sentido, é a disposição prevista no art. 10, § 2º, que expressamente estabelece que “o guichê único eletrônico deverá exibir em seu sítio eletrônico todas as licenças, autorizações, ou exigências administrativas, como requisitos a importações ou exportações”. Há claramente aqui a intenção de se estabelecer um ponto focal para que se concentre todo o procedimento, assim como todas as informações necessárias para as operações de importação e de exportação, prática que tem sido constatada em diversas outras áreas [7].
Outro aspecto que merece atenção e se relaciona com a abertura do comércio exterior, assim como também ao movimento de integração, do ponto de vista socioeconômico, por meio da ruptura das barreiras geográficas com a intensificação da comunicação via internet, está na regulamentação da profissão de tradutor e intérprete público, prevista no capítulo VII da Lei nº 14.195/2021.
Diante desta conjuntura, em que a integração potencializada pela internet aproxima as pessoas para a consolidação de relações jurídicas independente de onde estejam, a figura do profissional tradutor e do intérprete público revela especial importância para que se rompa a barreira linguística, seja nas negociações envolvendo estrangeiros, como também naquelas em que haja alguma pessoa portadora de deficiência. Veja-se que o art. 23 menciona que o tradutor e o intérprete público poderão se habilitar e se registrar para um ou mais idiomas estrangeiros, ou, ainda, em Língua Brasileira de Sinais – Libras.
O tradutor e o intérprete público são equiparados a funcionários públicos para fins de responsabilização civil e criminal (arts. 28 e 29) e, por isso, devem ser aprovados em concurso para aferição de aptidão (art. 22, inciso IV) estando autorizados para realizarem os seus atos em meio eletrônico (art. 33).
Por fim, no que tange à desburocratização empresarial, o capítulo IX da Lei nº 14.195/2021 salientam-se três pontos.
O primeiro deles refere-se à expressa autorização para as pessoas jurídicas de direito privado realizarem assembleias gerais por meios eletrônicos, que passa a estar prevista no art. 48-A do Código Civil [8].
O segundo consiste na previsão de prescrição intercorrente observando o mesmo prazo de prescrição da pretensão, mediante a inclusão do art. 206-A do Código Civil, que, por sua vez, rege as causas de impedimento, suspensão e de interrupção incidentes sobre a sua contagem.
O terceiro e último ponto em destaque revela, a partir da redação do art. 1.142, §§ 1º a 3º do Código Civil, o reconhecimento em lei do estabelecimento virtual, que assim poderá ser definido no endereço informado para fins de registro, podendo coincidir com o endereço do empresário individual ou de um dos sócios da sociedade empresária.
Ressalte-se aqui mais uma vez a preocupação de se instrumentalizar a dinâmica do comércio eletrônico, que, em grande parte, envolve sujeitos que possuem o estabelecimento virtual.
Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira)
Eis aqui uma das maiores novidades e conquistas para a eficiência obtida a partir do processo de transformação digital. O Sira, constituído de um conjunto de instrumentos, mecanismos e iniciativas voltados para a identificação e localização de bens e de devedores, bem como a constrição e a alienação de ativos, representa um largo passo em direção à resolução de dois grandes problemas enfrentados pelo Poder Judiciário e pela Administração Pública Federal: a alta taxa de congestionamento nas execuções fiscais, e o alto índice de insucesso na recuperação de ativos.
Como muito bem descrito no art. 14 da Lei nº 14.195/2021, são objetivos do Sira, em síntese: promover a redução dos custos de transação de concessão de créditos mediante aumento do índice de efetividade das ações envolvendo a recuperação de ativos; subsidiar a tomada de decisão, nos processos de recuperação judicial de créditos públicos ou privados, e, finalmente, promover a estruturação de dados garantindo um maior sucesso na recuperação de ativos.
Observe-se que, corroborando toda a linha de raciocínio descrita no presente trabalho, o art. 15 destaca, como princípios do Sira: efetividade e eficiência (inciso I); transformação digital e estímulo ao uso de soluções tecnológicas (inciso II); racionalização e sustentabilidade econômico-financeira das soluções de tecnologia da informação e comunicação de dados (inciso IV); e ampla interoperabilidade e integração com os demais sistemas (inciso V).
Outra novidade que merece especial atenção e se demonstra extremamente salutar para o atingimento dos objetivos até então elencados está na autorização para instituição de um Cadastro Fiscal Positivo, nos termos do art. 17 da Lei em análise.
O Cadastro Fiscal Positivo poderá ser instituído pelo Poder Executivo federal, sob governança da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN. Com sua criação, será propiciada a construção de um ambiente de confiança entre os contribuintes e a administração pública, além de um ambiente de total transparência com possibilidade de previsibilidade sobre as ações estatais. (art. 17, incisos I e II)
A confiança e a transparência são pressupostos essenciais para um cenário que favoreça a utilização de mecanismos de solução consensual para eventuais conflitos tributários, com grande potencial para que se promova uma redução dos índices de litigiosidade (art. 17, inciso III).
Ao lado de tais vantagens, a formação do Cadastro Fiscal Positivo pode aumentar a eficiência sobre a gestão de recursos, dos riscos, e dos gargalos fiscais (art. 17, incisos IV, V e VI).
Por fim, no parágrafo único do art. 17, evidencia-se um incentivo à cooperação interinstitucional por intermédio da autorização concedida à PGFN para estabelecer convênio com Estados, com Municípios e com o Distrito Federal para o compartilhamento das informações que integrem o Cadastro Fiscal Positivo.
Existem outras menções ao longo das disposições sobre o Sira que devem ser frisadas, uma vez que trarão impactos relevantes no cenário processual.
Destarte, a previsão no inciso I do art. 18, relaciona-se com a princípio estabelecido no inciso III, do art. 17, para a criação de condições para a redução da litigiosidade via métodos consensuais de resolução de conflitos e flexibilizações procedimentais (art. 18, incisos II a IV). Trata-se da criação de canais de atendimento diferenciado para que o contribuinte possa fazer pedidos de transação no contencioso judicial ou na cobrança da dívida ativa da União.
Parece que tal previsão refere-se exatamente à plataforma Regularize, implementada pela PGFN no sítio https://www.regularize.pgfn.gov.br/, que entre tantas informações úteis disponibilizadas aos contribuintes, permite a extração de certidões, o amplo acesso a uma diversidade de informações fiscais, e ainda possibilita uma comunicação eficiente no sentido de promover o recebimento de denúncias, além de solicitações para parcelamentos e transações para o pagamento de débitos.
Na mesma esteira de combate e redução da litigiosidade, estabelece o art. 20 da Lei nº 14.195/2021, uma nova redação para o art. 19-C e a inclusão do art. 19-F, ambos na Lei nº 10.522/2002.
De acordo com a nova redação do art. 19-C, a PGFN continua autorizada a dispensar a prática de atos processuais e desistir de recursos interpostos, porém, agora há também autorização expressa para que autorize a celebração de acordos, observando critérios de racionalidade, economicidade e de eficiência.
Nota-se outra sutil alteração na redação do art. 19-C, trocando-se uma abordagem negativa por uma positiva: ao invés de se colocar que a dispensa da prática de atos e a desistência de recursos estariam condicionadas à verificação de um benefício patrimonial almejado que não atendesseaos critérios de racionalidade, economicidade e de eficiência, passou-se a contemplar como condição a finalidade de atendimento a critérios de racionalidade, de economicidade e de eficiência.
O art. 19-F, a seu turno, expressa autorização para que a PGFN contrate, por meio de processo licitatório ou credenciamento, serviços de terceiros para auxiliar sua atividade de cobrança, quando esta não envolva questões de sigilo fiscal.
Neste ponto nota-se uma clara distinção entre o que se teria como atividade fim ou atividade-meio, dando-se a clara impressão de que, em termos gerenciais, seria mais eficiente e menos oneroso terceirizar as atividades meio, assim entendidas como aquelas que não sejam atribuídas exclusivamente aos servidores efetivos do Poder Público [9].
Racionalização Processual
No capítulo X da Lei nº 14.195/2021 trabalha-se com o conceito de racionalização processual para se referir às alterações promovidas no Código de Processo Civil em torno, basicamente, do aperfeiçoamento do sistema de comunicação ao longo da tramitação do processo.
Entre os deveres das partes e de seus procuradores, insere-se no inciso VII do art. 77 do CPC a necessidade de se informarem e manterem atualizados os dados cadastrais, tanto perante os órgãos do Poder Judiciário, como também perante a Administração Tributária.
A inclusão em comento, deve-se ao fato da Lei nº 14.195/2021 ter incorporado a ideia de compartilhamento de dados com a Redesim, novidade contemplada a partir do art. 2º. O aproveitamento dos dados obtidos por esta plataforma tecnológica empresarial pelo Poder Judiciário, na medida do possível e resguardada a proteção e o sigilo de dados nos termos da legislação aplicável, traduz bem o emprego da palavra “racionalização”.
Acerca da citação, uma alteração significativa: a citação eletrônica, que até então figurava em um rol como uma das opções para sua realização, passou a figurar, em regra [10], como meio preferencial, ou seja, somente após a ausência de confirmação, no prazo de 3 dias úteis, contados do seu recebimento no meio digital, poderão ser acionadas as outras modalidades, quais sejam: pelo correio, por oficial de justiça, em cartório e por edital (art. 246, §§ 1º e 1º-A do CPC)
Frise-se ainda que a inovação legislativa em questão, para dar efetividade à citação na forma eletrônica, passou a estabelecer que o seu não recebimento deve ser alegado pelo réu na primeira oportunidade em que falar nos autos, acompanhado de comprovação de justa causa, sob pena de configuração de ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% do valor da causa (art. 246, §§ 1º-B e 1º-C do CPC)
Visando a proteção dos jurisdicionados contra a ação de fraudadores por meio de práticas como phishing e outros malwares, justifica-se perfeitamente a inserção do art. 246, § 4º, que prevê expressamente que as citações realizadas por correio eletrônico (e-mails) serão acompanhadas código identificador para que se identifique a sua autenticidade na página eletrônica do órgão judicial citante.
Contudo, na parte em que o art. 246, § 4º dispõe que caberá à pessoa que receber por e-mail seguir instruções para realizar a confirmação do recebimento na página do órgão judicial, fica a dúvida se estas informações serão claras o suficiente para que a pessoa logre êxito nesta obrigação, e assim não incorra na sanção estabelecida pelo § 1º-C.
Um dos maiores questionamentos levantados acerca da realização de citações eletrônicas se extrai a partir da impossibilidade de se obter, por meio do sistema de correio eletrônico, uma confirmação idônea acerca do seu recebimento.
Após o ingresso da parte na relação processual, torna-se fácil manter qualquer tipo de comunicação pelo sistema judicial, pois o seu comparecimento torna possível o seu cadastramento com login e senha na plataforma, e qualquer acesso é passível de controle e monitoramento.
No entanto, quando se está diante de um correio eletrônico fora da organização, ou seja, mantido por terceiros, não se tem este controle, e muito menos a possibilidade de um rastreamento de dados e de movimentos com o consentimento do titular da conta.
E é neste ponto que reside o maior problema da citação eletrônica. Ela depende totalmente da boa-fé e da cooperação do citando. Estar na condição de réu, logicamente, não é algo naturalmente desejável. Se o réu não quiser receber a comunicação, pode se evadir.
E Isto pode comprometer a eficácia do correio eletrônico como principal mecanismo para a realização das citações, tornando a previsão do art. 246 quase letra morta. Só a prática poderá dizer se os outros meios deverão entrar em cena na maior parte dos casos, pois estes sim, possuem ainda algum elemento presencial e testemunhal acerca do recebimento efetivo da primeira comunicação nos autos.
Por esta razão, parece mais adequado buscar, em cooperação com órgãos públicos e até privados, alguma outra solução tecnológica que consiga registrar a confirmação do recebimento e de leitura no próprio correio eletrônico ou em outra plataforma que se demonstre mais adequada, pois dificilmente todos os destinatários lograrão êxito para confirmar o recebimento da citação eletrônica migrando para outro sistema.
Motivos não faltam para que esta proposta eventualmente não dê certo, pelo menos neste momento inicial: ausência de vontade do destinatário – ser réu é algo indesejado, logo, diante de qualquer dificuldade técnica, o réu pode se evadir facilmente e ganhar tempo alegando justa causa; e obstáculos de ordem cultural e técnica – não é nada simples sair de um sistema e ingressar em outro tendo que lidar com códigos complexos e links externos para realizar uma operação; tudo isto requer um conhecimento de informática que não é detido por parte expressiva da população, fora as possíveis falhas que possam ocorrer na migração de interfaces e sistemas, assimetria informacional e outras dificuldades operacionais.
Outra ideia que se apresentaria como uma interessante alternativa seria a formação de um cadastro único de pessoas em todo o território nacional, com uma plataforma específica para o recebimento de comunicações do Poder Público, semelhante ao que se fez por meio da plataforma “gov.br”.
Isto facilitaria muito a vida de todos, pois ainda há um grande problema de interoperabilidade, na medida em que atualmente existem muitos sistemas que devem ser constantemente acessados por um cidadão médio, e isto mitiga completamente a eficiência na comunicação. Ao invés de mensagens, o destinatário recebe “ruídos”.
Analogicamente, contempla-se o mesmo fenômeno observado em uma pessoa que possui várias contas de e-mails, WhatsApp, Telegram e inúmeras redes sociais. O titular de todas estas contas nunca conseguirá estar efetivamente presente em todas elas, e isto retira-lhes o poder de alcance das informações em circulação. Não raro, as pessoas livram-se de um aplicativo ou outro, para conseguirem visualizar certas mensagens; ou se utilizam de mais de um aparelho, setorizando as mensagens importantes daquelas que não serão visualizadas.
Em suma, o excesso de meios para a chegada da informação acaba gerando o efeito contrário, tornando-se uma fonte de desinformação. Portanto, o movimento do Poder Judiciário, assim como de qualquer órgão que integre o Poder Público, não deve ser neste sentido, de se criarem outras formas de comunicação descentralizadas, sem mecanismos efetivos de controle e monitoramento.
É por essa razão que a citação eletrônica só tem sido realizada com sucesso no caso das Pessoas Jurídicas que são obrigatoriamente cadastradas no Poder Judiciário, e são realizadas no próprio sistema processual eletrônico. Se todos os cidadãos fossem cadastrados obrigatoriamente em uma única plataforma governamental, vários problemas seriam resolvidos, pois ali qualquer órgão ou entidade pública poderia manter um canal direto de comunicação com o seu destinatário, revestido dos requisitos de segurança e autenticidade.
A ausência de um ponto focal torna o sistema de comunicação completamente ineficiente e caótico.
Por fim, observa-se a inserção de outras disposições voltadas para melhorias na comunicação processual, fazendo-se expressar: a necessidade de maior especificação do pedido para a exibição de documento ou coisa (art. 397, incisos I a III, do CPC); o aperfeiçoamento da redação do art. 921, inciso III, do CPC estendendo a suspensão da execução para a não localização de bens penhoráveis ao invés da constatação de que o executado não os possuiria; e, por fim, a harmonização da contagem e reconhecimento do prazo prescricional no curso do processo com as normas que tratam da localização do devedor e dos bens penhoráveis (art. 921, §§ 4º, 4º-A, 5º, 6º e 7º, do CPC).
Conclusão
Nota-se aqui um relevante impacto da pandemia sobre as relações comerciais eletrônicas, que ao longo de todo o período de isolamento social apresentaram um crescimento exponencial, tornando as plataformas de e-commerce a principal fonte de obtenção de mercadorias e insumos.
Evidencia-se aqui mais uma vez a intenção de se manter uma plataforma única e interoperável, medida importantíssima para que se mantenha a padronização de procedimentos, pressuposto indispensável para a eficiência e a eliminação de ruídos na experiência do usuário por assimetria informacional.
A acessibilidade do usuário aos serviços por uma plataforma única, preferencialmente integrada a outros sistemas logicamente necessários para etapas anteriores ou posteriores, promove muito mais do que a desburocratização e a eficiência, reduzindo a incidência de falhas humanas que decorram de uma compreensão inexata sobre a maneira correta de proceder perante a Administração Pública.
À primeira vista parece que a Lei nº 14.195/2021 é uma verdadeira “salada” que trata de diversas normas sem qualquer relação, de ordem tributária, empresarial e processual.
Todavia, como já se pode perceber ao longo da leitura do presente trabalho, existe um ponto de conexão entre todas estas modificações legislativas, que representa um verdadeiro movimento em direção à desburocratização e à transformação digital, fatores propulsores da economia de mercado e do desenvolvimento de uma nova sociedade, fruto da pandemia [11].
Notas e Referências
[1] Vide Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 e alterações posteriores.
[2] À exemplo, citem-se as Resoluções CNJ de números: 385 (Núcleos de Justiça 4.0), 372 (Balcão Virtual), 358 (ODRs), 354 (Cumprimento digital de ato processual e de ordem judicial), 345 e 378 (Juízo 100% Digital) e 335 (Criação da PDPJ-Br). Disponível em: https://www.cnj.jus.br/atos_normativos/. Acesso em: 15 set. 2021.
[3] REDESIM. Todo esse processo informatizado, linear e único é composto pelos sistemas das instituições que dele participam com comunicação automática. Entre os parceiros, encontram-se os órgãos de registro (Juntas Comerciais, Cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e OAB), as administrações tributárias no âmbito federal, estadual e municipal e os órgãos licenciadores, em especial o Corpo de Bombeiros, a Vigilância Sanitária e o Meio Ambiente. Disponível em: https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/redesim/sobre-a-redesim. Acesso em: 15 set. 2021.
[6] Vide Lei nº 14.063/2020 que dispõe a respeito do uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, e sobre as licenças de softwares desenvolvidos por entes públicos.
[7] Ao longo dos últimos dois anos, contempla-se a formação crescente de redes e de portais unificados na Administração Pública. Como exemplo, dentre tantos, citem-se a plataforma “gov.br” (unificação dos serviços públicos prestados no âmbito federal), o Pix (pagamento instantâneo brasileiro que funciona a partir da integração de informações bancárias, gerido pelo Banco Central do Brasil) e o sistema de registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNPC) referendado no art. 87 da Lei nº 14.133/2021.
[8] Atenção para o fato de que o Código Civil nesta data não se encontra devidamente atualizado, não havendo sido realizada a inclusão do art. 48-A na Lei nº 10.406/2002 no documento disponível para consulta no sítio oficial do Planalto. Vide: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 16 set. 2021.
[10] Via de regra, pois o § 3º do art. 246 do CPC estabelece a citação pessoal dos confinantes na ação de usucapião nos casos em que não se tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio.
[11] Nas palavras de Otavio Luiz Rodrigues Junior e Rodrigo Xavier Leonardo “A Lei 14.195/21 evidentemente encontra inspiração e o propósito de atender indicadores internacionais, em especial aqueles encontrados no relatório "Doing Business" do Banco Mundial”. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; LEONARDO, Rodrigo Xavier. O que mudou com a Lei do Ambiente de Negócios (Lei 14.195/21)? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-30/direito-civil-atual-mudou-lei-ambiente-negocios-lei-1419521. Acesso em: 16 set. 2021.
Imagem Ilustrativa do Post: Metas nacionais do Poder Judiciário // Foto de: Divulgação/TJGO // Sem alterações
Recentemente, a Resolução n° 395 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 07 de junho de 2021, instituiu a Política de Gestão da Inovação no âmbito do Poder Judiciário, reconhecendo a “necessidade de adoção, pelo Judiciário, de metodologias ágeis e de recursos tecnológicos para, mediante a otimização dos processos de trabalho, aprimorar a prestação jurisdicional e posicionar o usuário como peça central na execução do serviço público” [1].
Com esse foco, a Resolução preconizou a criação de laboratórios de inovação, ou espaços similares, pelos órgãos do Poder Judiciário (inclusive o próprio CNJ), além da Rede de Inovação do Poder Judiciário Brasileiro (RenovaJud) e outros órgãos de gestão da inovação – tudo observando princípios como a cultura da inovação, o foco no usuário, a acessibilidade e a transparência.
Parece ser (e de fato tem sido, como veremos adiante) o contexto ideal para inaugurar-se o uso de ferramentas próprias do legal design e, mais especificamente, do visual law pelo Poder Judiciário, como mecanismo de aproximação e diálogo entre jurisdição e jurisdicionado.
Resumidamente, pode-se conceituar o legal design como a aplicação de técnicas próprias do design ao Direito, buscando a solução de problemas da área jurídica; ou, utilizando o conceito da notável estudiosa do tema Margaret Hagan, da Universidade de Stanford, como “a aplicação do design centrado no ser humano ao mundo do Direito, para tornar sistemas e serviços jurídicos mais centrados no ser humano, utilizáveis e satisfatórios” [2]. Assim, a técnica busca aprimorar as dinâmicas no Direito (seja entre advogados e clientes, advogados e tribunais, servidores públicos e advogados ou julgadores e jurisdicionados), melhorar formas de peticionamento e de acesso a informações relativas aos processos e agilizar sistemas de informação [3].
Dentre as principais técnicas relativas ao legal design, destaca-se o chamado visual law, responsável pela simplificação e facilitação da comunicação tanto entre advogado e cliente, quanto entre advogado e julgador. Segundo Dierle Nunes e Larissa Holanda Andrade Rodrigues, o visual law “é a utilização de técnicas que conectam a linguagem escrita com a linguagem visual ou audiovisual, o que é possível a partir do avanço tecnológico e, por consequência, dos novos meios que estão à disposição dos operadores do Direito” [4].
A aplicação dessa linguagem visual não busca um aprimoramento estético do documento jurídico; ao contrário, está focada na funcionalidade. Os elementos visuais são aliados valiosos para o esclarecimento de fatos e situações complexas, além de questões que envolvam temas técnicos, como engenharia, biologia, meio ambiente e cálculos. O texto escrito, que permanece sendo a base do documento, é complementado pelos recursos visuais que melhor se encaixem em cada situação [5].
Trata-se de inovação conhecida e crescentemente praticada pelos advogados (por vezes chamados de visual lawyers), que adotam, tanto na elaboração de contratos, quanto em petições judiciais, elementos visuais e linguísticos que facilitam a apreensão do conteúdo daquele documento por seus clientes (e, no contexto judicial, pelo magistrado). Concretamente, podem-se citar, como exemplos, o uso de linhas do tempo, fluxogramas, gráficos ou até links externos, vídeos e QR Codes.
Como assinalam Victoria Fabbriani e Sofia Mandelert, o legal design (incluindo, como visto, o visual law) é uma das soluções para um cenário em que advogados ignoram seu papel de comunicadores, contratos são escritos por advogados para serem lidos por outros advogados e são acessíveis apenas para profissionais do Direito, excluindo justamente quem mais tem a ganhar e a perder com esse instrumento: as partes [6].
Além disso, o uso de elementos visuais em petições é uma iniciativa que também parece agradar a magistratura. Foi o que concluiu uma pesquisa realizada em 2020 pelo grupo VisuLaw, coordenado pelo advogado Bernardo de Azevedo e Souza, junto à magistratura federal de 17 estados brasileiros [7].
Segundo a pesquisa, 77,12% dos magistrados participantes consideram que o uso de elementos visuais facilita a análise da petição, desde que usados com moderação (sem excessos), em oposição a meros 6,54% que entenderam que tais elementos dificultam a análise da petição. Outro dado importante obtido foi que 43% dos participantes disseram aceitar qualquer tipo de elemento visual, não apresentando resistência a nenhum especificamente. Observadas outras respostas, os principais elementos visuais a encontrarem resistência foram os QR Codes (39,2%) e os vídeos (34,6%), o que pode se dever, segundo o grupo, a necessidade de manuseio de outro dispositivo (smartphone) e preocupações com a segurança do URL externo a ser acessado pelo QR Code ou para a visualização do vídeo [8].
Como se vê, a magistratura federal se encontra, majoritariamente, bastante receptiva ao uso de elementos visuais em petições, principalmente aqueles mais comuns e de mais fácil interação (por exemplo, fluxogramas, gráficos e links para acesso externo, em detrimento de vídeos e QR Codes).
Mais do que estar aberta ao uso de elementos visuais por advogados, o Poder Judiciário parece, pelo contexto da edição da Resolução n° 395 pelo CNJ, pronto para também assumir seu papel de comunicador. Não poderia ser diferente, afinal, em se tratando de comunicação, o magistrado deve se fazer claro não apenas para as partes e seus advogados, como também perante todos os auxiliares da Justiça e demais sujeitos do processo, além, é claro, de toda a sociedade, que deve ser capaz de exercer o devido controle sobre sua atividade jurisdicional.
Atualmente, não são poucas as iniciativas de órgãos do Poder Judiciário, utilizando recursos de visual law, a circularem pelas redes sociais e sites de notícias – geralmente, acompanhadas de comentários positivos. Pode ser citada, como exemplo, a iniciativa piloto do Desembargador Sergio Torres Teixeira, do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, em parceria com a professora e pesquisadora do Grupo Logos do PPGD/UNICAP, Paloma Mendes Saldanha, que elabora, de forma complementar aos acórdãos publicados, um resumo em forma de esquema gráfico [9]. Na 2ª Vara de Família de Anápolis, Goiás, o projeto “Simplificar” caminha no mesmo sentido, disponibilizando resumos complementares à sentença explicados através de ilustrações, tópicos e linhas do tempo [10]. Também é o caso do projeto “Design TRT”, que se originou na 2ª Vara do Trabalho de Campina Grande e vem sendo aplicado no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (Paraíba), utilizando, em resumos de sentenças, linguagem mais simplificada e elementos gráficos para o destaque de pontos importantes [11].
Embora desejável, a criação de um projeto estruturado pelo respectivo tribunal não é imprescindível para que o magistrado possa utilizar recursos do visual law. Ao contrário, trata-se de adequação judicial do procedimento, sendo legítima e muito bem-vinda quando o magistrado perceber que a utilização desses recursos visuais, aliada ou não à elaboração de um resumo mais acessível de sua decisão, facilitaria a compreensão plena de seu conteúdo pelas partes. Essa adequação pode se fundamentar, entre outras situações, no caráter altamente técnico de determinada demanda ou, ainda, na manifesta vulnerabilidade de uma ou ambas as partes, inclusive sob os aspectos social, cultural e educacional.
É certo que novidades como esta não são unanimidade na comunidade jurídica. Apesar dos diversos comentários positivos, o uso do legal design e, principalmente, do visual law não deixa de receber críticas, em que se demonstra preocupação com a substituição do direito pela tecnologia e com uma simplificação excessiva das próprias decisões, mascarando a complexidade do direito discutido [12].
Fato é que a utilização de resumos e elementos visuais pelo Poder Judiciário, nos moldes em que se apresenta hoje, não contraria qualquer dispositivo legal. Pelo contrário, tais instrumentos, complementares às decisões judiciais em si (que permanecem integralmente submetidas ao dever de motivação), são uma ferramenta de concretização de diversas garantias constitucionais do processo e normas fundamentais do processo civil.
A mais central das garantias constitucionais a serem fortalecidas pelo uso do visual law é, sem dúvidas, o acesso à Justiça em sua concepção material – que ultrapassa, em muito, o simples acesso ao Judiciário.
Conforme ensina Leonardo Greco, no Estado Democrático de Direito, o acesso à Justiça só será plenamente cumprido quando se concretizar um verdadeiro processo justo, conceito que compreenderia “todo o conjunto de princípios e direitos básicos de que deve desfrutar aquele que se dirige ao Poder Judiciário em busca da tutela dos seus direitos” [13].
É neste contexto que o visual law se mostra uma ferramenta útil, favorecendo uma arquitetura do procedimento judicial desenhada estrategicamente para atender aos fins do acesso à Justiça democrático – o que inclui garantias fundamentais como o processo informado, compreensível e comparticipativo [14].
Ao carregar uma abordagem centrada nos litigantes e não no juízo, o visual law se apresenta como ferramenta valiosa para a superação de obstáculos ao acesso à Justiça, como aquele que Mauro Cappelletti e Bryant Garth denominaram, em seu clássico escrito sobre o acesso à Justiça, como possibilidade das partes. O conceito abrange quaisquer barreiras pessoais a serem transpostas pelo cidadão ao demandar seu direito em juízo, o que, além de limitações financeiras, engloba ainda a frequente incapacidade de compreensão de seus próprios direitos como juridicamente exigíveis, além da desconfiança ou mesmo temor perante o Poder Judiciário [15].
É certo que, mesmo após apresentada a demanda em juízo, tais desvantagens socioculturais não desaparecem, apenas se convertem em desvantagens no litígio. O meio judiciário continua sendo desconhecido, frequentemente causando sensações de desconforto e estranheza. A lógica do processo justo impõe que estas disparidades sejam não apenas reconhecidas, como ativamente amenizadas pelo magistrado.
Nesse cenário, o uso de recursos visuais próprios do visual law torna a linguagem dos tribunais menos intimidadora e, por vezes, confusa, aumentando a clareza e acessibilidade para as partes e amenizando suas vulnerabilidades. Com isso, fortalece-se a confiança entre o jurisdicionado e o julgador e o contraditório democrático (ou participativo), na medida em que se permite às partes um papel de protagonismo, compreensão plena dos pronunciamentos judiciais e participação ativa no processo [16].
O que se busca é a informação das partes com clareza, para que possam compreender, por si só, o andamento de um processo que diz respeito a seus próprios interesses. A comunicação processual se adequa para considerar também a parte como destinatária, o que poupa o advogado de um trabalho de tradução da decisão judicial e lhe permite focar na elaboração de estratégias processuais – para a qual a parte poderá contribuir de forma mais esclarecida [17].
Em síntese, a aplicação do visual law aos pronunciamentos judiciais vem complementar o texto tradicional das decisões (que em nada se desviam de sua motivação), por meio de elementos visuais que individualizam a demanda e promovem uma comunicação atenta ao destinatário, incluindo-o como sujeito ativo no processo [18].
No fim das contas, a opinião mais importante a ser ouvida é, certamente, a do jurisdicionado. Afinal, se a proposta do Poder Judiciário, ao utilizar elementos visuais, é facilitar o entendimento das decisões judiciais pelas partes e pela sociedade, é junto a elas que magistrados e tribunais devem buscar este retorno. Se o conteúdo de suas decisões estiver de fato mais claro, o objetivo vem sendo cumprido; se ainda restarem dificuldades, é nelas que o Judiciário deverá focar. E assim caminhamos, aos poucos, rumo a uma tão desejada reaproximação entre jurisdição e jurisdicionado.
[3] NUNES, Dierle; RODRIGUES, Larissa Holanda Andrade. O contraditório e sua implementação pelo design: design thinking, legal design e visual law como abordagens de implementação efetiva da influência. In: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique dos Santos; WOLKART, Erik Navarro (coord.). Inteligência Artificial e Direito Processual: Os Impactos da Virada Tecnológica no Direito Processual. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 238.
[4] Ibidem, p. 240.
[5] COELHO, Alexandre Zavaglia; HOLTZ, Ana Paula Ulandowski. Legal Design / Visual Law: Comunicação entre o universo do Direito e os demais setores da sociedade. Thomson Reuters, 2020, p. 33.
[7] VISULAW. Elementos visuais em petições na visão da magistratura federal. Disponível em: <https://visulaw.com.br/>. Acesso em: 19 ago. 2021.
[8] A segurança dos dados dos órgãos públicos representa um desafio a ser superado, tendo em vista os diversos benefícios do uso dos QR Codes no âmbito judicial. A ferramenta possibilita a superação dos limites da linguagem escrita e concretiza o princípio da oralidade, facilitando a comunicação entre as partes e o magistrado – especialmente em tempos pandêmicos, em que a Justiça digital se faz ainda mais necessária e os despachos presenciais se tornam exceção. Sobre o tema, cf. IWAKURA, Cristiane; GUEIROS, Pedro; BECKER, Daniel. Código QR: a transformação digital do princípio da oralidade. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/codigo-qr-a-transformacao-digital-do-principio-da-oralidade-08052021?amp>. Acesso em: 30 ago. 2021.
[15] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabric Editor, 1988, p. 21-26.
[16] NUNES, Dierle; ALMEIDA, Catharina. Op. cit.
[17] COELHO, Alexandre Zavaglia; HOLTZ, Ana Paula Ulandowski. Op. cit., p. 31.
[18] Ibidem, p. 17.
Imagem Ilustrativa do Post: Metas nacionais do Poder Judiciário // Foto de: Divulgação/TJGO // Sem alterações
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