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O cabimento da ação possessória sobre o bem digital Diante do avanço tecnológico, desenvolver um instrumento adequado para a tutela de bens digitais tornou-se pauta obrigatória.

Introdução

As ações possessórias, originalmente, foram concebidas para tutelar bens tangíveis. Entretanto, o avanço das tecnologias tornou evidente a necessidade de estender o seu alcance a outras espécies de bens, dentre os quais se destacam os digitais.

Em meio às eleições de 2022, percebeu-se um número crescente de decisões do Supremo Tribunal Federal determinando a suspensão de perfis em redes sociais. Embora sejam decisões proferidas em sede criminal, a repercussão política gerada trouxe consigo interessantes questionamentos em matéria processual.

Neste contexto, discute-se o cabimento das ações possessórias para a retomada dos perfis em redes sociais.

Os perfis em redes sociais são bens digitais?

Segundo a doutrina clássica, bens são as coisas corpóreas e incorpóreas suscetíveis de apropriação e que podem constituir objeto de direito.[3]

Na época em que o conceito de bem foi concebido, o mundo virtual não era uma realidade. No entanto, a ciência do Direito deve evoluir. Inéditas categorias de bens jurídicos precisam ser reconhecidas.[4]

Bem digital pode ser definido como o conjunto de informações virtualmente registradas por alguém, com ou sem conteúdo econômico.[5] Segundo Bruno Zampier, os bens digitais podem se apresentar sob a forma de correios eletrônicos, redes sociais, sites de compras ou pagamentos, blogs, plataformas de compartilhamento de fotos ou vídeos, contas para aquisição de mídias, como filmes, músicas e livros digitais; contas para jogos on-line e contas para armazenamento de dados[6].

Cada bem digital pode contar com uma variedade de provedores. Nota-se uma preocupação legislativa para que se confira tutela a estas novas formas de bens incorpóreos a partir da Lei nº 12.965/2014, o Marco Civil da Internet, que teve por objetivo regulamentar uso da internet no Brasil.

À medida em que as dinâmicas das relações sociais passam a se concentrar no mundo virtual, cresce de forma exponencial a quantidade e a variedade de bens digitais.

Daí se extrai a necessidade de uma atualização do sistema protetivo dos bens digitais, para que então seja viabilizada a criação de soluções jurídicas específicas[7].

Os perfis em redes sociais estão, portanto, enquadrados no conceito de bens digitais.

É possível ter posse sobre os bens digitais?

Segundo Pontes de Miranda, a posse pode recair sobre universitas iures, ou seja, sobre tudo aquilo que for legitimamente passível de apropriação, assim entendido como o que se possui, à luz da física contemporânea. Assim, por exemplo, não seriam passíveis de apropriação os direitos pessoais, mas algo humanamente intangível, como a eletricidade, poderia[8].

Portanto, a possibilidade de apropriação seria o elemento essencial para que a coisa fosse considerada como bem em termos jurídicos.[9]

Entretanto, a crescente virtualização das relações humanas trouxe a necessidade de serem conferidos novos contornos a respeito da posse, justificando, deste modo, a revisão de conceitos tradicionais acerca de sua tutela.

É cada vez mais questionável não considerar bens imateriais e intangíveis como objeto da posse, tendo-se como exemplo disto os direitos autorais, as patentes e os registros de softwares, e outras tantas produções intelectuais, industriais e artísticas.

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal enfrentou o tema em questão no julgamento dos casos do RE 330.817 e do RE 595.676, tendo decidido pela extensão da imunidade tributária aos livros eletrônicos e congêneres, servindo como um marco para o debate sobre o tema dos bens digitais. E assim, qualificou os bens jurídicos por seu aspecto funcional, desapegando-se de conceituações tradicionais baseadas em aspectos meramente estruturais.[10]

A doutrina vem defendendo a extensão da proteção possessória sobre os bens imateriais incorpóreos e semi-corpóreos, considerando que a relevância da tutela se evidencia pelo elemento externo e objetivamente perceptível da destinação econômica imprimida ao bem[11]. Portanto, o objeto da posse não se identificaria pela materialidade, mas sim pela sua delimitação e determinação.

 

Os bens digitais podem ser objeto de proteção possessória?

A suspensão dos perfis em redes sociais pode causar enormes prejuízos aos usuários, de natureza material, inclusive. Por ser um tema ainda novo, não existem muitas fontes de leitura acerca dos mecanismos para a retomada da posse dos bens digitais.

As políticas para o uso das mídias sociais incluem, dentre outros serviços, o oferecimento de oportunidades para se criar, conectar, comunicar, descobrir e compartilhar[12]. A mídia é, desta forma, um bem digital, sendo o usuário o seu legítimo possuidor, conforme as condições e termos de uso da empresa.

Assim, a empresa provedora - fazendo-se aqui menção ao mesmo conceito de provedor utilizado pelo Marco Civil da Internet - figuraria como proprietária dos perfis de seus usuários, que, a seu turno, seriam os possuidores. Estabelecida uma relação contratual por adesão entre ambos, se registra, de forma onerosa, a pactuação de serviços de hospedagem e gerenciamento de dados em uma plataforma virtual.

Como visto, segundo o ordenamento jurídico, são objetos de posse, a princípio, os bens corpóreos, enquanto os incorpóreos, são suscetíveis de apropriação e comercialidade.

Todavia, o objeto da posse não se identificaria pela materialidade do bem, mas sim pela sua delimitação e determinação, razão pela qual pode se afirmar que os bens digitais podem sim, ser objetivo de proteção possessória.[13]

Conclusões

 

Em um mundo cada vez mais digital, não há razão para não estender a tutela da posse aos bens imateriais.

Os bens digitais, como perfis em redes sociais, e-mails, nomes de domínio, são bens que, inclusive, podem ser objeto de direito sucessório e possuem valor econômico.

Inegável, é, portanto, o cabimento de ações possessórias para a retomada do direito de uso dos perfis em redes sociais por meio de ações possessórias, com todos os seus institutos, inclusive com a possibilidade de concessão liminar da posse nos casos em que se demonstrarem presentes os seus requisitos.

Resta assim, evidente, a necessidade constante de revisão sobre institutos e conceitos tradicionais por parte da doutrina e jurisprudência, tendo-se como objetivo promover um avanço jurídico sobre o sistema de tutelas e garantias, em harmonia com o natural processo de modernização das relações sociais.

Referências

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais. Salvador: Ed. Jus Podivum, 2020.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: direitos reais. Vol. 5. Versão Kindle. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

LACERDA, Bruno Torquato Zampier. Bens Digitais: em busca de um microssistema próprio, p. 93 In TERRA, Aline de Miranda Valverde [et al.] Herança digital: controvérsias e alternativas. Tomo 1. Coord. Ana Carolina Brochado Teixeira e Livia Teixeira Leal. Indaiatuba: Editora Foco, 2022. Edição do Kindle.

MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Tomo II. Campinas, Bookseller, 2000.

SARAI, Leandro et. al. Bens públicos na era digital. In: Lucélia de Sena Alves; Cássio Augusto Barros Brant. (Org.). Bens digitais: implicações jurídicas contemporâneas. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2023, v. 1, p. 141-172.

STJ, REsp. 769731/PR, 1a T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 31.5.2007.

TEPEDINO, Gustavo; FRAZÃO, Ana. STF acerta ao qualificar bens jurídicos por seu aspecto funcional. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-abr-03/stf-acerta-qualificar-bens-juridicos-aspecto-funcional. Acesso em: 31 maio 2023.

 

[1] Mestre em Direito, pela Universidade de Itaúna (2014). Professora da Escola Superior da Advocacia de Minas Gerais e da PUC Minas. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro da ABEP. Advogada.

[2] Doutora e Mestre em Direito pela UERJ. Pós-Graduada em Direito Público pela UnB e em Regulação do Mercado de Capitais pelo Ibmec/RJ. Professora da Escola Superior da Advocacia-Geral da União. Pesquisadora na área de Direito Processual, Inovação e Gestão no Setor Público e Legal Design. Procuradora Federal.

[3] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 12.

[4] LACERDA, Bruno Torquato Zampier. Bens Digitais: em busca de um microssistema próprio, p. 93 In TERRA, Aline de Miranda Valverde [et al.] Herança digital: controvérsias e alternativas. Tomo 1. Coord. Ana Carolina Brochado Teixeira e Livia Teixeira Leal. Indaiatuba: Editora Foco, 2022. Edição do Kindle.

[5] Zampier, Bruno. Bens Digitais. Edição do Kindle. 2ª Edição. Indaiatuba: Editora Foco, 2021, p. 74.

[6] Ibidem, p. 76.

[7] SARAI, Leandro et. al. Bens públicos na era digital. In: Lucélia de Sena Alves; Cássio Augusto Barros Brant. (Org.). Bens digitais: implicações jurídicas contemporâneas. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2023, v. 1, p. 141-172.

[8] MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Tomo X. Campinas, Bookseller, 2000, p. 107.

[9] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: direitos reais. Vol. 5. Versão Kindle. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 38.

[10] TEPEDINO, Gustavo; FRAZÃO, Ana. STF acerta ao qualificar bens jurídicos por seu aspecto funcional. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-abr-03/stf-acerta-qualificar-bens-juridicos-aspecto-funcional. Acesso em: 31 maio 2023.

[11] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direitos reais. Salvador: Ed. Jus Podivum, 2020, p. 117.

[12] Ver os termos de uso do Instagram. Disponível em: < https://pt-br.facebook.com/help/instagram/581066165581870>. Acesso em 21 dez. 2022.

[13] STJ, REsp. 769731/PR, 1a T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 31.5.2007.

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