A igualdade de gênero é prevista na Constituição Federal e está inserida na agenda 2030 da ONU como um dos objetivos de desenvolvimento sustentável. Tais previsões reforçam o que já previa a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW.
Em que pese tais previsões, a igualdade ainda não foi alcançada. Em artigo da Associação Brasileira Elas no Processo que inaugurou a coluna no Migalhas, destacou-se a desproporção da desigualdade de gênero na cúpula dos três Poderes. Com a maior parte dos cargos de poder sendo ocupado por homens, muitas das pautas relativas às mulheres demoram excessivamente para serem discutidas[i]. A título de exemplo, destaca-se a paridade na OAB, no Poder Judiciário e no Ministério Público, como se vislumbra a seguir.
A OAB possui em seus quadros, mais mulheres do que homens, mas esse número não se reflete de forma proporcional em suas atuações. Em razão disso, a Ordem criou normas para prestigiar políticas afirmativas para participação de mulheres em eventos[ii] e nas eleições para cargos diretivos[iii].
No âmbito do Poder Judiciário, a Resolução nº 106/2010, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre os critérios objetivos para aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de 2º grau foi alterada pela Resolução CNJ nº 525/2023 para buscar a igualdade de gênero material. O art. 1º-A foi acrescentado para prever que “no acesso aos tribunais de 2º grau que não alcançaram, no tangente aos cargos destinados a pessoas oriundas da carreira da magistratura, a proporção de 40% a 60% por gênero, as vagas pelo critério de merecimento serão preenchidas por intermédio de editais abertos de forma alternada para o recebimento de inscrições mistas, para homens e mulheres, ou exclusivas de mulheres, observadas as políticas de cotas instituídas por este Conselho, até o atingimento de paridade de gênero no respectivo tribunal”[iv].
No relatório da Participação Feminina na Magistratura 2023 (ano-base 2022), produzido pelo Conselho, o percentual de magistradas apresentou queda de 38,8% para 38%, com expressiva diminuição nos postos mais altos da carreira. Saíram de 25,7% de desembargadoras, em 2019, para 25%; e de 19,6% de ministras de tribunais superiores, também em 2019, para 25%, no levantamento mais recente[v].
O Tribunal de Justiça de São Paulo foi o primeiro a implementar a norma de paridade nos concursos de promoção em 2024, através do Edital nº 02/2024 do Conselho Superior da Magistratura – CSM. Atualmente, possui apenas 12% de mulheres no Tribunal. Ou seja, dos 351 desembargadores, apenas 42 são mulheres[vi].
No Ministério Público, a Resolução nº 259/2023 instituiu a política nacional de incentivo à participação feminina e há proposição de aprovação de Resolução similar à 525 do CNJ[vii].
Com os exemplos colacionados é possível perceber que a desigualdade de gênero é patente no mundo jurídico. Tendo como um dos seus objetivos a igualdade de gênero, mulheres profissionais do Direito, como advogadas, juízas, procuradoras, defensoras públicas, notárias, pesquisadoras e professoras universitárias, comprometidas com o fomento de debates, boas práticas e a promoção da diversidade de diálogos no âmbito da pesquisa e da prática do direito processual e igualdade de gênero, decidiram reunir-se em forma de associação.
A Associação Brasileira Elas no Processo (ABEP) é uma entidade de direito privado, sem fins econômicos, que tem como missão promover a inserção e o destaque das mulheres no ambiente acadêmico do direito processual e nas carreiras jurídicas. A ABEP pauta-se pelos princípios da igualdade de gênero, buscando transformar o cenário jurídico brasileiro por meio de diversas atividades e iniciativas.
A ABEP possui uma gama abrangente de finalidades que refletem seu compromisso com a promoção da igualdade de gênero no direito processual. Entre seus principais objetivos, destacam-se:
a) Promoção Acadêmica e Profissional: A ABEP realiza atividades voltadas para a inserção de mulheres no ambiente acadêmico e nas carreiras jurídicas. O incentivo à participação em programas de mestrado, doutorado é sempre presente.
b) Proteção dos Direitos das Mulheres: A associação empenha-se na proteção dos direitos das mulheres, especialmente no cumprimento de tratados internacionais, da Constituição Federal e da legislação interna brasileira. No ano de 2024 foi aceita para concorrer a uma vaga da sociedade civil no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, obtendo 11 votos de outras associações.
c) Educação e Difusão do Direito Processual: Promover o aprimoramento, a difusão e o ensino do direito processual é uma das missões centrais da ABEP. Isso inclui a realização de pesquisas, cursos, conferências, seminários e congressos. Nos seus dois anos de existência, a ABEP já promoveu congressos e seminários, lives, palestras, além de ser apoiadora em inúmeros eventos científicos.
d) Publicações e Divulgação: A associação já promoveu editais para a publicação de livros de autoria coletiva e publica artigos em periódicos jurídicos. No início de sua existência, as publicações ocorriam em parceria em uma coluna no “Empório do Direito”. Em momento posterior, obteve espaço no informativo Migalhas, com coluna própria. E, o presente texto, inaugura um momento de crescimento da Associação, que passa a possuir coluna de artigos das associadas, em site próprio. Além disso, há projetos para reunir todas as publicações de suas membras em um único local, apelidado de “elaspédia”.
e) Intervenções e Manifestações Judiciais: A ABEP tem como finalidade realizar intervenções e manifestações judiciais, incluindo a propositura de ações civis públicas e a atuação como amicus curiae. Um exemplo marcante da atuação da ABEP no combate às desigualdades de gênero foi sua admissão como amicus curiae no Mandado de Segurança nº 2079924-89.2024.8.26.0000, junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Tal Mandado de Segurança visava impugnar ato do Conselho Superior da Magistratura que instituiu concurso de promoção exclusivamente para mulheres, para uma vaga de desembargador(a) no TJSP.
f) Cooperação e Parcerias: A Associação fomenta a cooperação entre outros órgãos, mantendo intercâmbio com organizações e associações congêneres, tanto nacionais quanto internacionais. Também colabora com instituições universitárias, órgãos públicos e entidades privadas para a realização de projetos e estudos.
A Associação Brasileira Elas no Processo (ABEP) desempenha um papel crucial na promoção da igualdade de gênero no direito processual brasileiro. Por meio de suas atividades educacionais, judiciais e de cooperação, a ABEP fomenta um ambiente mais inclusivo e justo, garantindo que as mulheres tenham voz e espaço significativo no campo jurídico. A Associação representa verdadeiro exemplo de como a articulação de esforços em prol da igualdade de gênero pode transformar estruturas sociais e profissionais, promovendo uma sociedade mais equilibrada e justa.
Como forma de discutir temas relevantes do direito processual e de dar mais visibilidade à produção científica das mulheres é que inauguramos a presente coluna em nossa casa, nosso site, cujo espaço estará repleto de informações jurídicas atualizadas.
Convidamos a todas e a todos ao debate de temas relevantes ao direito processual com textos publicados pelas associadas, bem como pelos convidadas e convidados. Que seja uma coluna frutífera, demonstrando a relevância da produção acadêmica e científica das mulheres no processo.
[i] Uma reflexão sobre a igualdade de gênero no Direito Processual. Migalhas, 15 out. 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/elas-no-processo/353144/uma-reflexao-sobre-a-igualdade-de-genero-no-direito-processual.
[ii] Proposição n. 49.0000.2019.013134-1 do Conselho Pleno. Disponível em: http://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/195-2020.
[iii] Resolução 5/20, que altera o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB para estabelecer paridade de gênero (50%) e a política de cotas raciais para negros (pretos e pardos), no percentual de 30%, nas eleições da OAB. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/58808/publicada-resolucao-que-estabelece-paridade-de-genero-e-cotas-raciais-nas-eleicoes-da-oab.
[iv] CNJ. Resolução Nº 106 de 06/04/2010. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/168
[v] CNJ. Paridade de gênero nos tribunais agrega diferentes visões de mundo às decisões. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/paridade-de-genero-nos-tribunais-agrega-diferentes-visoes-de-mundo-as-decisoes/#:~:text=A%20norma%2C%20aprovada%20pelo%20Plen%C3%A1rio,promo%C3%A7%C3%B5es%20pelo%20crit%C3%A9rio%20do%20merecimento.
[vi] CALEGARI, Luiza. Mulheres são 40% na 1ª instância, mas só 12% entre desembargadores no TJ-SP, 10 abr. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-abr-10/mulheres-sao-40-na-primeira-instancia-mas-so-12-entre-desembargadores-no-tj-sp/
[vii] CNMP. Resolução n. 259 de 28 de março de 2023. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/2021/Resoluo-n-259-2023.pdf.